O desafio de lidar com pessoas que têm o coronavírus mas não apresentam sintomas foi reforçado em um estudo divulgado pela revista especializada Science. A pesquisa indicou que esse grupo – chamado de assintomático – foi responsável por dois terços das infecções registradas em Wuhan, na China. Isso significa que a maior parte dos infectados está livremente em contato com outras pessoas, já que não é alvo de isolamento justamente por não demonstrar estar doente. A estimativa é de um grupo de cientistas chineses e americanos, coordenado pela Escola de Saúde Pública da Universidade Columbia, de Nova York.
O estudo mostra que, apesar de os pacientes que desenvolvem a doença serem duas vezes mais contagiosos, os assintomáticos são seis vezes mais numerosos, tornando-se os grandes transmissores da pandemia. Não há estudo semelhante no Brasil, mas, para especialistas, a conclusão leva a uma palavra chave: isolamento.
— Isso reforça a orientação de ficar em casa, de isolamento. Se for sintomático ou assintomático, estando em casa, tem risco mínimo de contaminar outras pessoas dentro da residência, desde que observados os cuidados de transmissão — destaca Paulo Ernesto Gewehr Filho, médico do Serviço de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento e membro da Câmara Técnica de Infectologia do Conselho Regional de Medicina (Cremers).
Questionado se testar toda a população poderia ser uma boa solução para combater a pandemia, Gewehr afirma que não:
— A testagem de um grupo de pacientes sintomáticos conforme restritos critérios clínico-epidemiológicos não identifica os demais indivíduos infectados que não se encaixam nos critérios ou que não apresentam sintomas. Na falta de testes disponíveis, a orientação é o isolamento domiciliar para sintomáticos e assintomáticos, pois todos podem ser potenciais transmissores.
O infectologista André Luiz Machado da Silva pensa na mesma linha. Para o médico, que atua no Hospital Nossa Senhora da Conceição, o estudo é pertinente e explica a pandemia que está sendo vivida:
– A pesquisa mostra que as medidas de isolamento social e de etiqueta respiratória são apenas uma parte das atitudes possíveis para diminuir risco de infecção e que não podem ser abandonadas. Se abrirmos mão disso, vamos colapsar o sistema de saúde.
Silva também não avalia o aumento das testagens como uma medida eficiente. Segundo ele, aumentaria muito os custos do combate ao coronavírus e ainda produziria dados indeterminados ou falsos negativos – que ocorrem justamente porque o assintomático tem baixa quantidade do vírus no organismo, o que pode mascarar o resultado.
O infectologista defende, no entanto, que poderiam passar por exames todos que apresentassem sintomas respiratórios, como tosse e febre.
— Assim, conseguiríamos caracterizar a epidemia na nossa população e identificar se a estratégia atualmente adotada está sendo efetiva — completa Silva.
Uma abordagem “agressiva e maciça” na testagem é defendida por Ricardo Ariel Zimerman, que presidiu a Associação Gaúcha de Profissionais em Controle de Infecção e Epidemiologia Hospitalar.
— O estudo mostrou que embora a infecciosidade não detectada fosse de 55% daquela dos casos detectados, esses 55% foram responsáveis por 80% das transmissões na China. É um impacto enorme. Se a gente só testar quem tem sintoma, perde-se 80% das fontes de infecção — interpreta o infectologista.
Para Zimerman, a estratégia ideal é a aplicada pela Coreia do Sul, que testa 15 mil pessoas por dia e manda para casa apenas os infectados:
— Poderia isolar só os infectados, e quem teve contato com eles, e deixar a população à vontade para circular, e não se teria um impacto econômico tão grande. Mas, infelizmente, algumas pessoas foram convencidas cedo demais de que a logística disso é impossível. Ora, o que é impossível é adaptar a biologia à logística. Tu tem de adaptar tua logística à biologia do vírus.