Na noite de uma quarta-feira de outubro, a faxineira Elisiane de Oliveira, 42 anos, deixou Santo Ângelo, acompanhada do filho Gabriel, de sete, rumo a Porto Alegre. Oito horas depois, ao chegar na Capital, iniciaria mais uma jornada de exames e tratamentos do filho que tem síndrome de Apert. Na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a mãe acompanhava uma parte do tratamento odontológico do filho, em um dos poucos locais no Estado que oferecem atendimento especializado para pessoas com deficiência.
Se tivesse tratamento próximo da região em que mora, economizaria tempo e, possivelmente, dinheiro. A família tem passe livre mas, a cada viagem, precisa arcar com os custos da alimentação. Elisiane trabalha quando consegue brechas no vai e vem das consultas médicas do filho.
— Ele precisa de um aparelho que ajuda na fala. Já extraiu alguns dentes e agora está fazendo os exames para colocá-lo. Estamos conseguindo tudo por aqui — relata.
A longa distância enfrentada por Elisiane e Gabriel é a mesma de muitas famílias gaúchas. Algumas também chegam a esperar um ano por uma consulta. Segundo o Conselho Regional Federal de Odontologia (CRO-RS), além de poucos centros especializados, existem poucos profissionais com formação para prestar esse tipo de atendimento no Estado. Ao todo, seriam 29 cirurgiões-dentistas.
Rede
Porto Alegre conta com seis Centros Especializados em Odontologia (CEOs) da Secretaria Municipal de Saúde, quatro próprios e dois conveniados. Existem CEOs também em Canoas, Pelotas e um projeto de extensão em Erechim. A rede é insuficiente para atender todos os pacientes.
Além disso, nem todas as universidades disponibilizam disciplinas que capacitem para esse atendimento, que requer cuidados específicos. Professora da área e presidente da Comissão para Pacientes com Necessidades Especiais do CRO-RS, Márcia Cançado Figueiredo diz que os serviços públicos precisam se fortalecer e ampliar o atendimento, assim como as universidades deveriam incluir o assunto em disciplinas obrigatórias.
— Dentre esses 29 especialistas, eu sou uma, e estou com 61 anos. As especializações que abrem têm pouca procura — diz ela.
Fila é uma das dificuldades
Com opções restritas, as longas esperas preocupam as famílias. Há mais de um ano, a filha de Potiguara Luz e Judite Vargas, Luana, 21 anos, de Viamão, caiu da cadeira de rodas e quebrou alguns dentes. Os pais correram para o Pronto-Atendimento do bairro Cruzeiro, em Porto Alegre, onde foram atendidos, mas não receberam tratamento. Um conhecido os indicou a Faculdade de Odontologia da UFRGS. Entraram na fila de espera e aguardaram 12 meses até serem chamados. Como não poderiam esperar tanto tempo, contaram com cirurgiões-dentistas conhecidos para o atendimento emergencial.
— Demoramos para conseguir, mas depois que fomos chamados foi tudo muito rápido. Ela já fez a extração de dois dentes e está terminando o tratamento — diz Judite.
A demora se deve ao grande fluxo de pessoas de diversos municípios gaúchos que procuram o local. Moradores de Porto Alegre, no entanto, não passam pela mesma situação, pois costumam procurar as Unidades de Saúde e, quando requerem um tratamento mais completo, são encaminhados para algum dos CEOs da cidade.
— Porto Alegre tem uma cobertura boa, mas o paciente que vem de Camaquã, por exemplo, ele só tem aqui ou a Ulbra, que também deve ter uma lista de espera grande, e dependendo da necessidade dele, pode esperar um ano, até um ano e meio pelo atendimento — afirma a coordenadora do projeto de extensão da UFRGS “Atenção à saúde bucal do paciente com necessidades especiais”, cirurgiã-dentista Ana Rita Potrich.
Acolhimento é o diferencial
No projeto de extensão da UFRGS, os pacientes são atendidos nas quintas-feiras, à tarde. Cada um é recebido por um trio de estudantes do curso de Odontologia, supervisionado pelos professores. Em geral, são oferecidas cerca de 35 consultas por semana.
Uma estrutura completa fica à disposição dos pacientes e familiares, que conseguem acompanhar todas as consultas. Para as crianças, televisões com acesso à internet são disponibilizadas para ajudar a distraí-los.
Pacientes que usam cadeira de rodas, por exemplo, podem ser atendidos no próprio equipamento para melhor adaptação. A aposentada Margarida Giussani, 67 anos, recebeu da Unidade de Saúde Campo da Tuca, no bairro Coronel Aparício Borges, o encaminhamento para o tratamento do filho Luís Fernando Giussani, 39 anos. Fernando nasceu prematuro e enfrentou uma pneumonia logo em seguida, que o deixou com sequelas.
— Ele ama vir aqui, adora ser bajulado. Ele tem quatro dentes com obturações, que precisavam de tratamento. Já viemos três ou quatro vezes aqui e sempre conseguimos tudo com muita rapidez — declara a mãe.