A ação movida pela Advogacia-Geral da União (AGU) contra a indústria tabagista, que pede ressarcimento aos cofres públicos por gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) por doenças causadas pelo cigarro, teve a primeira movimentação na última sexta-feira (19). A juíza Graziela Cristine Bündchen, da 1ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre, acatou o pedido da AGU para acionar multinacionais no processo.
Com isso, as indústrias estrangeiras que controlam as fabricantes de tabaco brasileiras passam a ser rés na ação, e deverão confirmar a ciência do processo e receber as intimações para se manifestarem. Também poderão ser responsabilizadas e acionadas para ressarcir os cofres públicos, caso a peça da AGU tenha êxito.
Conforme a AGU, no despacho em que determina a citação, a juíza disse ter considerado os argumentos da União no sentido de que “as empresas estrangeiras (matrizes) coordenam e controlam as atividades das subsidiárias nacionais, que seguem um planejamento global de negócios e relações públicas como parte da política internacional daquelas (das empresas estrangeiras)” para ordenar que as notificações das matrizes estrangeiras sejam realizadas nas sedes das controladas no Brasil.
A ação foi protocolada pela AGU na Justiça Federal do RS no dia 21 de maio. O pedido engloba os gastos dos últimos cinco anos na rede pública de saúde e indenização por danos morais coletivos. Dois grupos que controlam 90% do comércio de cigarros em todo o Brasil, segundo a AGU, são alvo da ação: Souza Cruz (controlada pela British American Tobacco PLC), Philip Morris Brasil Indústria e Comércio e a Phillip Morris Brasil S/A (controladas pela Philip Morris International).
Ainda no mesmo despacho, a julgadora concedeu 30 dias úteis para que as empresas contestem a ação da AGU. De acordo com a magistrada, o prazo (o dobro dos 15 dias normalmente concedidos) é necessário tendo em vista “a complexidade da demanda, extensão da inicial e expressiva quantidade de documentos a ela anexados”.
De acordo com a equipe de advogados da União que atua no caso, a citação das empresas matrizes através das subsidiárias brasileiras reforça a tese de que as empresas atuam como corporações transnacionais, ou seja, conglomerados econômicos que remetem para o exterior os lucros obtidos com seu negócio, deixando a responsabilidade pelo pagamento dos danos à saúde para a sociedade brasileira.
GaúchaZH entrou em contato com os grupos brasileiros citados no processo. A Souza Cruz informou que ainda não teve acesso ao conteúdo do processo e está aguardando o ofício para se posicionar. A Phillip Morris não se manifestou.
Gastos médicos chegam a R$ 39 bilhões ao ano
Conforme a peça da AGU, que tem mais de 200 páginas e 400 documentos anexados, as empresas teriam se omitido e manipulado informações sobre os malefícios do cigarro, agindo de má-fé para aumentar suas vendas e lucros. O órgão ainda se baseia em um precedente internacional dos Estados Unidos que começaram a ajuizar ações semelhantes a partir de 1994. Nos últimos 20 anos, a indústria do cigarro pagou mais de R$ 500 bilhões os estados americanos.
Um estudo inédito em 2017 pelo Ministério da Saúde e pelo Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca) apontou que o consumo de cigarros e outros derivados causa um prejuízo de R$ 56,9 bilhões ao país a cada ano. Deste total, R$ 39,4 bilhões são com custos médicos diretos - o que corresponde a 8% de todo gasto com saúde - e R$ 17,5 bilhões com custos indiretos, decorrentes da perda de produtividade, provocadas por morte prematura ou por incapacitação de trabalhadores. Os dados são referentes a 2015.