Desde bebê, Eduardo Kejelin Pacheco dava indicativos de que algo não andava bem com sua saúde. Dificuldade de crescimento, imunidade baixa e um choro frequente destoavam das condições da irmã mais velha e incitavam os pais, Lilian Kejelin Pacheco, 46 anos, e Sidinei José Pacheco, 56, a correrem atrás de explicações. Mas elas só vieram 14 anos depois, quando Eduardo vomitou sangue. Assustados, a bioquímica e o empresário levaram o menino a um médico e esperaram uns dias para receber o diagnóstico: trombose da veia porta.
A doença, caracterizada pela obstrução da veia que leva sangue ao fígado, pode ser causada por inúmeros fatores, como coagulação, complicações decorrentes de cateterismo ou mesmo inflamação interna do cordão umbilical. Na quarta-feira (22), o adolescente de 16 anos foi submetido a uma cirurgia chamada shunt rex, técnica que usa uma veia – no caso de Eduardo, retirada do pescoço – para construir um novo canal para levar o sangue até o fígado.
Eduardo foi um dos quatro pacientes operados em maio no Hospital da Criança Santo Antônio, em Porto Alegre, pelo italiano Riccardo Superina. O cirurgião pediátrico especialista em fígado é referência internacional nesse tipo de procedimento, tido como inovador para o tratamento de trombose de veia porta em crianças e adolescentes. São mais de 300 operações realizadas, 16 em parceria com a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Radicado em Chicago (EUA), Superina esteve na Capital entre os dias 20 e 24 de maio a convite da gastropediatra Cristina Targa Ferreira. Ela liderou a equipe da Santa Casa que atuou com o médico italiano.
— Esta é a sexta vez que ele vem nos últimos 10 anos, e a gente sempre aprende e evolui muito. Há uma equipe de cirurgiões, ecografistas, radiologistas e enfermeiros envolvidos. Enfim, é muita gente que participa — contou Cristina, revelando a intenção de criar um centro de cirurgia hepatobiliar de crianças chamado Riccardo Superina e aumentar as visitas do médico para duas vezes por ano.
Cirurgião-chefe da equipe de transplantes do Lurie Childrens Hospital, de Chicago, e professor de cirurgia na Northwestern University Feinberg School of Medicine, Superina explicou que o método normaliza a qualidade de vida dos pequenos pacientes que sofrem de hipertensão portal:
— O shunt rex ou derivação meso-portal é a única cirurgia curativa. Todas as outras são paliativas. É muito complexa (Cristina Targa compara o shunt rex a um transplante de fígado).
Consequências da trombose
O especialista italiano listou uma série de consequências decorrentes deste tipo de trombose:
— Varizes de esôfago e estômago com risco de sangramento, baço aumentado com diminuição de plaquetas e leucócitos e alterações crônicas do fígado. Pode levar a insuficiência no crescimento e no desenvolvimento da criança, com alterações comportamentais e diminuição do potencial de inteligência.
A obstrução dessa veia – por onde o fígado recebe 72% do suprimento total de oxigênio, além de nutrientes e hormônios – resulta, ainda, em hipertensão, hemorragias internas, atrofia hepática e risco aumentado de morte. Eduardo, por exemplo, teve de parar de jogar futebol e de andar de bicicleta.
Um dos adeptos da técnica no Brasil é o vice-presidente da Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica, Sylvio Avila. O médico reconhece a importância do colega Superina na evolução do shunt rex e o trata como referência mundial. Estudioso do método, esclarece que, se o sangue não chega ao fígado, “ele vai para algum lugar e causa varizes”. Para tratar sem a cirurgia, só com remédios e esclerose, ambas soluções paliativas.
— É uma doença frequente, mas pouco se fala nesse tipo cirurgia por desinformação da classe médica. E também por ser um procedimento com muitos detalhes, que exige profundo conhecimento do fígado — disse.