Alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro, a caderneta de saúde do adolescente com imagens de prevenção a DSTs passou por dois anos de discussões com especialistas, pais e adolescentes e por testes-piloto em cinco cidades antes de ser distribuída pelo país.
Nos anos seguintes à implementação, a medida levou também a um aumento no número de adolescentes cadastrados para acompanhamento nas unidades de saúde — o grupo é conhecido pela resistência em procurar esses serviços.
A informação é da ex-coordenadora de saúde do adolescente do Ministério da Saúde, Thereza de Lamare, que atuou na área entre 2004 e 2015 e foi responsável pela implementação do projeto.
— Tivemos respostas imediatas dos municípios que implementaram a caderneta por meio do programa Saúde na Escola, mostrando que isso contribuiu para esclarecer os pais sobre a importância de conversar sobre diversos assuntos — relata.
Em entrevista, Lamare classifica como equívoco a possibilidade de recolhimento do material e de retirada de imagens que citam o uso da camisinha.
O anúncio foi feito pelo presidente Jair Bolsonaro por meio de vídeo divulgado na quinta-feira (7) nas redes sociais. Para ele, o material contém figuras que "não caem bem para meninos e meninas terem acesso".
— Tem muitas informações boas aqui, precisas. Mas o final dela fica complicado no meu entendimento — afirmou, apontando para páginas com orientações de como utilizar a camisinha e imagem que explica as partes do órgão sexual feminino.
Com 40 páginas, o documento aborda questões como cuidados de saúde, as transformações do corpo, a primeira menstruação até a prevenção da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis.
Dados do Ministério da Saúde apontam que, desde 2009, mais de 32 milhões de cartilhas foram adquiridas pelos ministérios da Saúde e Educação.
Em seguida, ele afirma que conversou com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para que o material seja recolhido e substituído por outra caderneta, "com menos páginas, mais barata e sem essas figuras".
A ex-coordenadora de saúde do adolescente do Ministério da Saúde afirma que a medida "é um equívoco" e que a camisinha "faz parte da vida real" porque os adolescentes terão, em algum momento, relação sexual – portanto "é melhor que tenham de forma segura".
Segundo Thereza de Lamare, a cartilha foi construída para tratar de temas cotidianos do adolescente.
— Não tem nada diferente do que ele vê no dia a dia. São apenas informações que vão contribuir para que tenham atitudes responsáveis — diz.
Para Lamare, é um erro achar que orientar sobre o uso de camisinha representa um incentivo à atividade sexual.
— As pessoas têm a visão de que, se não falar sobre isso, está protegendo o adolescente. Mas as pesquisas mostram o contrário —afirma. —Os adolescentes estão vivenciando isso e têm dúvidas. Eles sabem as coisas, veem na internet. Precisamos garantir que tenham acesso à informação correta — acrescenta.
Ela lembra que, um ano antes de a caderneta ser lançada, em 2008, uma versão preliminar foi distribuída em um projeto-piloto em cinco cidades do país: Tabatinga (AM), Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Petrópolis (RJ) e Rio Branco (AC).
O documento também passou por discussões com grupos de adolescentes de 10 a 16 anos para definição dos temas e da linguagem a ser adotada. Psicólogos e pediatras também colaboraram no projeto.
No ano seguinte, diz, o material passou a ser entregue durante consultas nas unidades de saúde e por meio do programa Saúde na Escola, que prevê atividades conjuntas entre escolas e unidades de saúde.
— Sempre trabalhamos com a participação dos pais. Quando definimos uma entrega maior da caderneta nas escolas, definimos que haveria palestra com os pais para explicar os assuntos que foram colocados. Ela nunca foi entregue de forma aleatória — afirma.
Segundo Lamare, nos 10 anos em que a cartilha foi utilizada, houve casos de questionamentos e reclamações, mas "pontuais".
— Havia alguns questionamentos, que depois eram explicados e os pais entendiam. Isso de forma nenhuma nos impediu de continuar a desenvolver o projeto — diz. — Nossa responsabilidade é essa: informar e orientar. Muitas vezes tem uma família que é muito conservadora e não vai entender, e você tem que respeitar. Mas o profissional de saúde pública não pode negar informação — argumenta.
Questionado, o Ministério da Saúde informou na sexta ainda não ter informações sobre como ocorrerá o recolhimento do material.
Em nota, a pasta informa que "revisará a Cartilha do Adolescente para avaliação da linguagem destinada ao público-alvo, considerando todas as fases de desenvolvimento dessa população".
Em entrevista, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, confirmou que o documento será revisto. Ele diz que a discussão começou após o vídeo de uma mãe que reclama pelo documento ter sido entregue a sua filha de nove anos — a caderneta, no entanto, é indicada para crianças de 10 a 19 anos.
Para conferir a caderneta
A íntegra da caderneta, para meninos e meninas, está disponível no site do Ministério da Saúde. Para conferir, clique no link. Também é possível acessar o material em GaúchaZH.