Referência mundial no tratamento de arritmia — quando o coração bate de maneira irregular, fora do ritmo normal —, o cardiologista espanhol Josep Brugada discutia animadamente com os médicos Carlos Kalil, do Hospital São Francisco, e o argentino Luis Aguinaga, ambos especialistas na área, os resultados das cirurgias realizadas pela equipe de que os três fazem parte, nesta quinta-feira (27), quando recebeu a reportagem. Os tratamentos, de alta complexidade, foram os primeiros realizados no Centro Internacional de Arritmias - Instituto J. Brugada, que será inaugurado oficialmente na sexta (28) na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
A todo momento, chegavam mensagens nos celulares dos eletrofisiologistas — especialidade que trata as arritmias. Eram outros profissionais de todo o mundo, a maioria deles alunos ou ex-alunos de Brugada em Barcelona, entrando na discussão: momentos antes, os médicos haviam compartilhado detalhes de um procedimento delicado que acabara de ser concluído na Capital em uma criança com oito dias de vida e uma arritmia grave que, não fosse a cirurgia realizada ali, faria com que ela precisasse tomar medicação até completar cinco, seis anos.
— Este será um centro que vai atrair os casos mais complexos, que requerem uma superespecialização, porque as instalações, a tecnologia, tudo está no topo — celebra Brugada.
A cena ilustra algumas das características que devem marcar o atendimento no centro, pioneiro no país para diagnóstico, gerenciamento e tratamento exclusivo de arritmias: a cooperação internacional, a complexidade dos casos atendidos, a preocupação constante dos profissionais envolvidos.
Entre um procedimento e outro — Brugada, apesar de ter chegado em Porto Alegre apenas na noite anterior, não parava para descansar —, o cardiologista espanhol falou sobre a importância dessa inauguração, sua participação no complexo que leva seu nome e as impressões que teve em relação ao sistema de saúde na Capital.
Qual a importância de um centro exclusivo para as arritmias?
Este é um centro que nasce com a vocação de ser referência para a América do Sul e o mundo. Um centro que está equipado com a última tecnologia no campo das arritmias. E por que é focado na arritmologia? Essa é a especialidade dentro da cardiologia que teve a mudança mais radical nos últimos anos. Podemos curar a maioria dos pacientes. Aqueles que têm problemas taquicárdicos, de arritmia, somos capazes de curar. E curar é uma palavra forte na medicina. São poucas as coisas que podemos curar, mas as arritmias, conseguimos.
O que torna essa especialidade tão complexa?
A arritmologia é uma especialidade dentro da cardiologia que precisa de um tratamento especial, prolongado. É bastante difícil do ponto de vista intelectual, das explorações que fazemos. O dr. Kalil, o dr. Aguinaga (ele aponta para os colegas na mesa) são pessoas que se formaram comigo em Barcelona há quase 30 anos. E estamos trabalhando juntos, aprendendo, desenvolvendo novas técnicas até este momento. Sempre trabalhamos juntos em pesquisas, em treinamentos, mas pensamos que era bom também trabalhar juntos em um centro de referência como este, onde podemos receber todo tipo de pacientes com as arritmias mais complexas possíveis, para dar solução a elas.
Qual o seu papel nesse centro?
Minha presença é de apoio científico, físico, para casos complexos, como o que atendemos hoje: uma criança pesando três quilos, provavelmente a menor que já passou por uma ablação (interrupção da arritmia com a colocação de cateter) na América do Sul. Também faremos pesquisas juntos, para colocar nossos pacientes em comum e avançar no conhecimento, testar os tratamentos mais sofisticados do mundo ao lado de centros em Barcelona, na América Latina, no restante da Europa.
Além do apoio, o senhor vem também para fazer cirurgias?
A ideia é essa. Fazer casos complexos, que requeiram expertise especial, e continuarmos fazendo visitas regulares a Porto Alegre para ver os casos que forem aparecendo.
Essa cooperação internacional é um diferencial?
A cooperação entre países é melhor quando nos conhecemos. Se não nos conhecemos, fica mais difícil. E aqui temos a sorte de que trabalhamos juntos, e seguimos assim. É quase natural. E isso de poder manter uma rede de conhecimentos, de contatos em todo o mundo, trará muitas facilidades para testarmos novas tecnologias, sermos pioneiros em novos tratamentos. É um pouco do que estamos tentando aqui.
O que essa inauguração representa para a saúde em Porto Alegre?
Estive aqui duas ou três vezes antes, e sempre me pareceu que os hospitais são bons. Não conhecia fisicamente este hospital (São Francisco), e estou absolutamente impressionado com o que vi. É um hospital magnífico, grande, com centros muito bem diferenciados para cada patologia, com um sistema de saúde excelente, pacientes dos sistemas público e privado que são tratados de maneira igual, com as mesmas técnicas, o mesmo carinho e a mesma vontade de curar. Estou encantado. É um centro fantástico, como os melhores do mundo, que não tem nada a invejar de centros dos Estados Unidos, de Barcelona, onde quer que seja.
Como foi a experiência de tratar pacientes em um centro que leva seu nome?
(Risos.) Tem sido maravilhoso, com pessoas maravilhosas. Será fantástico trabalhar aqui.