Em 2013, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, da sigla em inglês) já citava distúrbios relacionados aos jogos de internet como um novo fenômeno a ser estudado. Um documento assinado pela Associação Americana de Psiquiatria, no mesmo ano, alertou sobre a importância de fomentar pesquisas que embasassem a inclusão desse novo comportamento no manual. Menos de cinco anos depois, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que deve incluir em 2018 o vício em videogames e jogos online na atualização da Classificação Internacional de Doenças (CID 11, ou ICD na sigla em inglês) — a última revisão data de 1990.
Os critérios que determinarão a adição em games, tanto on quanto offline, como um distúrbio mental ainda estão em fase de discussão. Contudo, a OMS já identificou possíveis contornos para essa classificação. São elas: controle prejudicado sobre o jogo, aumento da prioridade do jogo em relação aos demais interesses da vida e continuidade do jogo, mesmo diante de ocorrências negativas.
— A OMS acerta ao introduzir a dependência de videogames como questão relevante para a saúde nos dias atuais. Estudos parecem apontar na direção de que, mesmo sendo uma atividade de passatempo não problemática para muitos indivíduos, há os casos que se tornam patológicos. Em outras palavras: há uma porcentagem de pessoas usuárias de aparatos tecnológicos que apresenta características semelhantes àqueles pacientes diagnosticados com transtorno do jogo patológico, quando há problemas relacionados à frequência ou intensidade de uso e consequências danosas para diversas áreas da vida a ponto de causar sofrimento significativo — avalia o psiquiatra da infância e adolescência André Moura Kohmann, consultor do Hospital da Criança Santo Antônio da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Segundo ele, a preocupação da família em relação ao tempo despendido com jogos ou internet tem sido bastante comum, mesmo em casos que não caracterizam a adição.
— Isso não significa que não possa haver uso inadequado ou problemático — diz, acrescentando que é papel dos pais ou cuidadores limitar ou proibir o acesso a essas tecnologias toda vez que julgarem que o comportamento está se tornando prejudicial.
Menos risco de "patologização"
Baseadas em evidências científicas sólidas, as diretrizes criadas pela OMS para identificar o problema vão facilitar o diagnóstico, beneficiando tanto médicos quanto pacientes, avalia opsiquiatra Daniel Spritzer, coordenador do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (GEAT) e um dos membros da discussão do CID 11. Para o especialista, a formalização desses critérios dá uma unidade à desordem, que poderá ser classificada da mesma forma em qualquer parte do globo.
— Ela estimula mais pesquisa nessa área e facilita a vida de quem está atendendo, pois há parâmetros mais precisos. Outra vantagem é que o diagnóstico bem estruturado diminui o risco de patologização excessiva de um comportamento normal — justifica.
O psiquiatra da Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital São Lucas da PUCRS Luís Motta defende o mesmo raciocínio:
— O importante é deixar claro o que pode ser considerado patológico e o que é só danoso. É muito comum ver os pais dando jogos de celular para controlar as crianças. Por isso, o importante é a sociedade discutir a diferença entre as duas coisas.
Entretanto, ele adverte para a necessidade de mais estudos nessa área, especialmente para analisar aspectos neurobiológicos do processo:
— As preocupações com os comportamentos de jogo problemáticos merecem toda a nossa atenção. No entanto, está longe de ser claro se eles podem ou devem ser atribuídos a um novo transtorno psiquiátrico.
Prevalência ainda é estudada
Ainda que a prevalência desses distúrbios não tenha um perfil bem delineado, pesquisas nacionais apontam para uma taxa de dependência que vai de 10% a 15% em países asiáticos e de 1% a 10% em países ocidentais. Motta cita um artigo publicado em novembro deste ano no periódico Pediatrics, que aponta uma prevalência de 8,5% em crianças de oito a 18 anos nos Estados Unidos. O mesmo texto menciona um estudo alemão que revela índices maiores em meninos do que em meninas.