Quando Tran Viet Hung era um soldado que patrulhava estas colinas arborizadas no sul do Vietnã há seis anos, teve febre e calafrios. O teste de malária deu positivo e ele passou alguns dias se recuperando em uma clínica do governo. Agora, Hung, de 37 anos, vê o incidente como um risco ocupacional para quem trabalha neste canto da província de Binh Phuoc, um foco de malária ao longo da fronteira porosa entre o Vietnã e o Camboja.
— Temos tecnologia moderna. Se não nos sentirmos bem, chamamos um médico e tudo fica bem — disse em uma plantação de borracha no distrito de Bu Gia Map onde ele agora trabalha.
Há uma lógica para o seu otimismo: as mortes causadas pela malária são praticamente desconhecidas no Vietnã, e apenas 85 pessoas morreram pela doença transmitida por mosquitos no continente do Sudeste Asiático em 2015, contra mais de quatro mil pessoas 15 anos antes, de acordo com um relatório publicado em 2017 pelo Global Health Group, grupo de pesquisa com sede na Universidade da Califórnia, San Francisco.
Grande parte do sucesso da região na luta contra o que antes era uma das principais causas de morte pode ser atribuída a um comprimido que combina duas substâncias, uma delas sendo a artemisinina, droga barata e eficaz inventada na China há décadas.
Porém, agora, uma nova estirpe da doença, resistente à artemisinina e à piperaquina, a outra droga popular com a qual é frequentemente tratada, ameaça acabar com anos de esforços de erradicação mundial – sobrecarregando sistemas de saúde e ampliando a perspectiva de que o número de mortos possa aumentar novamente.
Nos últimos anos, as autoridades de saúde pública acompanharam a propagação do parasita fatal da malária, o falciparum, do oeste do Camboja à Tailândia e ao Laos e, mais recentemente, para o Vietnã. A presença desses parasitas em Binh Phuoc foi relatada na edição de outubro do periódico britânico The Lancet Infectious Diseases.
Uma preocupação muito maior é que a resistência poderia se espalhar para a África subsaariana, onde a malária mata cerca de três mil crianças por dia, apesar do uso generalizado da artemisinina.
— Há um grande potencial para se espalhar. Devemos nos preocupar com o fato de que outros países do Sudeste Asiático sejam afetados e, é claro, de que chegue a África em algum momento — disse o Dr. Arjen M. Dondorp, coautor do estudo da Lancet e vice-diretor da Unidade de Pesquisa de Medicina Tropical Mahidol Oxford, em Bancoc.
Um "superparasita" resistente a drogas não é uma preocupação da ficção científica. A cloroquina, introduzida após a Segunda Guerra Mundial, foi a cura milagrosa naquela época. Mas a resistência acabou se espalhando do Camboja ocidental para a África subsaariana através da Índia, tornando a droga inútil.
Uma propagação similar da resistência da Ásia à África ocorreu mais tarde com o Fansidar, uma mistura de dois medicamentos, sulfadoxina e piremetamina. Os especialistas em malária agora temem perder a artemisinina e seus medicamentos parceiros da mesma maneira.
De acordo com os protocolos da Organização Mundial da Saúde, a artemisinina deve sempre ser combinada com pelo menos outro medicamento. Ela mata o parasita rapidamente, mas desaparece do sangue dentro de um dia ou dois. Normalmente, um tratamento de três dias combina o fármaco com outros medicamentos menos efetivos, porém duradouros, para varrer parasitas remanescentes.
A resistência à artemisinina começou a surgir no Sudeste Asiático há cerca de uma década, logo que as empresas farmacêuticas não regulamentadas começaram a vender pílulas que continham apenas a própria droga.
Agora, à medida que aumentam as evidências de que as drogas combinadas também estão falhando, os especialistas discutem o que deve ser feito a seguir.
O objetivo ambicioso de eliminar a malária falciparum do Sudeste Asiático continental até 2030 tem apoio de importantes doadores internacionais, incluindo o Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária. O Global Health Group estimou que o sucesso custaria US$2,4 bilhões, mas pouparia 91 mil vidas e US$9 bilhões em perda de produtividade e custos médicos adicionais.
Como parte do esforço, os doadores estão financiando a distribuição de mosquiteiros e treinando profissionais de saúde.
— Se isso chegar a África, será catastrófico — disse o Dr. Christopher V. Plowe, especialista em malária da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, em entrevista por Skype de Mianmar.
Um desafio fundamental, segundo especialistas, é que a malária é mais intensa nas florestas e na selva, e as pessoas que vivem lá são notoriamente difíceis de monitorar. O problema é ainda pior onde há conflitos, como ao longo da fronteira de Mianmar com a China.
O Dr. Do Kim Giang, médico vietnamita que trabalhou no distrito de Bu Gia Map, disse que não viu nenhuma esperança de erradicar a malária lá.
— Nós só podemos evitar que os casos sejam fatais — disse ele durante uma entrevista em uma clínica de um distrito vizinho.
A província de Binh Phuoc, que inclui Bu Gia, teve 39% dos 1.601 casos confirmados de malária falciparum no Vietnã, segundo dados da Organização Mundial de Saúde.
Os especialistas estão otimistas, mas cautelosos, pois acreditam que a próxima "cura milagrosa" estará disponível em breve.
As empresas farmacêuticas Sanofi e Novartis estão cada uma nas últimas fases de testes de novas terapias combinadas. Pelo menos uma poderia ganhar a aprovação da OMS até 2022 ou 2023, ou mesmo até 2020, se uma crise de resistência a drogas se espalhasse na África, disse o Dr. Timothy N. Wells, diretor científico da Medicines for Malaria Venture, uma parceria público-privada suíça que coordena a maior parte da pesquisa mundial de malária. Vários outros medicamentos, nenhuma deles com base em artemisinina, estão em preparação, disse ele.
— Nosso portfólio de novas moléculas está avançando no que eu consideraria uma velocidade razoável — disse Wells.
A OMS disse que o Vietnã estava no caminho certo para eliminar a malária até 2030, mas que o sucesso não está de modo algum garantido.
— Se falharmos aqui, a doença se espalhará para outras partes do mundo — disse o Dr. Kidong Park, representante da OMS no Vietnã.
Pelo fato de as consequências potenciais para a África serem tão catastróficas, alguns especialistas argumentam que a OMS deveria declarar o problema de resistência crescente do Sudeste Asiático uma emergência global.
O Dr. Lorenz von Seidlein, pesquisador da unidade Mahidol na Tailândia, que anteriormente trabalhava no oeste da África, questiona:
— Por que as pessoas estão tão relutantes em dar esse nome?
Por Mike Ives e Donald G. McNell Jr.