Geneticamente destinados à surdez, os ratos de laboratório "Beethoven" tiveram sua audição recuperada com uma técnica de edição de genes que se mostra promissora para humanos com o mesmo problema hereditário, afirmaram cientistas nesta quarta-feira (20).
Ao injetar um "editor" de genes diretamente nas células da orelha detectoras de som de roedores recém-nascidos criados com DNA causador de surdez, os cientistas "desativaram" o gene mutante que lhes tiraria a capacidade de ouvir com o tempo. Com quatro semanas de vida, os ratos não injetados não eram capazes de ouvir sons de 80 decibéis na escala de volume - como os do tráfego de uma cidade, por exemplo.
Os ratos tratados, no entanto, reagiram a sons de 65 decibéis - o nível de conversação humana normal - afirmou uma equipe de cientistas dos Estados Unidos e da China na revista científica Nature. Alguns dos ratos de laboratório, apelidados de "Beethoven" em homenagem ao compositor alemão que se tornou surdo no meio da carreira, tiveram uma orelha tratada e a outra não.
Nas orelhas injetadas, os pesquisadores observaram "células ciliadas" muito mais saudáveis. Estas células, responsáveis pela detecção de som em humanos e camundongos, são mortas por uma versão mutada do gene TMC1.
— Ficamos muito entusiasmados quando observamos a preservação auditiva nas orelhas injetadas mas não nas orelhas não injetadas de ratos individuais — disse o coautor David Liu, da Universidade de Harvard.
Com oito semanas de vida, os ratos não tratados não respondiam a sons súbitos e altos, enquanto os tratados tiveram sobressaltos.
— Observamos um benefício substancial para a função auditiva e a saúde das células ciliadas — disse Liu por e-mail.
Ferramentas mais precisas
Quase metade dos casos de perda de audição em humanos tem uma causa genética, de acordo com a equipe de pesquisa. Os humanos com a mutação TMC1 geralmente começam a perder a audição entre os cinco e os 30 anos, e a maioria já está surda com a idade de 50-60, disse Liu. Os ratos geralmente vivem até os dois anos de idade.
A equipe utilizou a técnica de edição de genes CRISPR-Cas9, na qual a proteína Cas9 atua como uma "tesoura" cortando o gene mutante causador de doenças em uma célula, para ser substituído ou reparado.
Normalmente, os pesquisadores usam um vírus desativado para entregar instruções codificadas para a própria célula para fabricar as "tesouras" Cas9. Mas Liu e colegas injetaram a proteína Cas9 já formada, embalada em um envelope volumoso, diretamente nas células internas da orelha.
Entregue desta forma, a proteína tinha uma vida mais curta e era menos propensa a causar erros de codificação, ao avançar para fazer cortes em outras zonas de DNA não alvejadas antes de se desintegrar.
O trabalho foi "uma excelente ilustração de como o kit de ferramentas disponível para o campo da medicina genética está se expandindo, enquanto as ferramentas se tornam cada vez mais precisas", comentou Simon Waddington, especialista em transferência de genes da University College de Londres.
— Doenças até então incuráveis e muitas vezes até não tratáveis estão agora ao alcance da terapia genética — acrescentou.
Liu disse que a entrega de drogas e os potenciais efeitos colaterais "ainda são desafios importantes".
Os resultados devem ser repetidos em outros animais mais intimamente relacionados com nossa espécie antes que os ensaios em humanos possam ser considerados.