Você sabia que uma a cada sete mulheres de 40 anos, já realizou pelo menos um aborto na vida? A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), de 2021, destaca que 52% das pessoas que passaram pelo procedimento o fizeram antes dos 19 anos. Os dados reforçam como o tema do aborto está profundamente ligado à saúde pública no Brasil e, por isso, demanda um debate baseado em critérios técnicos e éticos, segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Eduardo Neubarth Trindade.
Desde 1940, a lei prevê o aborto legal no país em três casos: gravidez ocasionada por estupro, ao conter risco de vida à gestante e anencefalia do feto (má formação do cérebro), conforme consta no artigo 128 do Decreto Lei nº 2.848. No entanto, na quarta-feira (27), a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJ), aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que veta a autorização do aborto legal no Brasil. Após isso, a proposta segue para apreciação de uma comissão especial e caso seja admitida pelo grupo, a PEC irá para análise do plenário da Câmara.
Para entender como a legislação brasileira atua, e qual é o papel do médico neste cenário, o Dr. Eduardo Neubarth Trindade explica como funcionam os critérios de objeção de consciência, o impacto da PEC para a sociedade, e os parâmetros legais para equilibrar os direitos individuais e os deveres profissionais.
Como o Cremers avalia a PEC que veta a autorização do aborto legal?
Eduardo Neubarth Trindade – “Lei se cumpre. Porém, é uma discussão que deve ser dada, sem dúvida alguma, no Congresso, pois impacta toda a sociedade. Mas é importante dizer que o aborto previsto em lei existe desde 1940. Por ser um tema extremamente sério e delicado, o Congresso deve discutir o assunto e, eventualmente, debater sobre quais serão os tipos de tratamento oferecidos para que a sociedade não fique desassistida.”
Qual é o posicionamento do Cremers a respeito do aborto?
Eduardo Neubarth Trindade – “Atualmente, o aborto é permitido em três situações específicas: quando a gravidez é resultado de um estupro, se a gestação representa risco à vida da mulher e em casos de anencefalia, ou seja, quando não há formação do cérebro no feto. Embora esses casos sejam previstos em lei, a discussão sobre eles ainda é carregada de ideologias. Para o Cremers, é essencial que o debate seja orientado por critérios técnicos e científicos.”
Por que a idade gestacional é um ponto tão relevante nessa discussão?
Eduardo Neubarth Trindade – “A idade gestacional é crucial para diferenciar o que é legalmente considerado aborto. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece 22 semanas como um limite para o aborto em situações previstas por lei. Após esse período, o procedimento passa a ser classificado de outra forma, e práticas como a injeção de potássio para provocar assistolia fetal não são permitidas. Isso reforça a necessidade de critérios claros e de proteção para os médicos e pacientes.”
E qual é a opinião do Cremers sobre os casos de crianças vítimas de abuso que precisam interromper a gravidez?
Eduardo Neubarth Trindade – “Infelizmente, esses casos revelam falhas graves no sistema de proteção social. Crianças vítimas de estupro, geralmente cometido por familiares próximos, acabam sofrendo uma dupla violência: primeiro o abuso e, depois, a falta de suporte adequado do Estado. Quando a gestação ultrapassa 22 semanas, a situação se torna ainda mais delicada, e é necessário que o sistema proteja tanto a criança quanto os profissionais de saúde envolvidos.”
Como a objeção de consciência é aplicada em casos de aborto?
Eduardo Neubarth Trindade – “O médico tem direito à objeção de consciência, desde que respeite as leis e os direitos dos pacientes. Isso significa que ele pode se recusar a realizar o procedimento em situações eletivas que contrariem as suas crenças religiosas ou morais, mas deve assegurar que outro profissional esteja disponível para atender a paciente. Em casos de urgência ou risco de vida, a objeção de consciência não pode ser usada como justificativa para a omissão.”
Por que é importante incluir os médicos no debate sobre aborto?
Eduardo Neubarth Trindade – “Os médicos lidam diretamente com as questões práticas e éticas do aborto. Por isso, suas opiniões são fundamentais para estabelecer critérios técnicos e parâmetros que equilibrem os direitos individuais e a segurança. Sem a participação dos profissionais de saúde, corremos o risco de adotar medidas inviáveis ou prejudiciais, tanto para os pacientes quanto para os médicos.”
Para discutir esse assunto e outras temáticas abordadas na pesquisa do Cremers, hoje, dia 03 de dezembro às 14 horas, acontecerá o último evento do Zero Hora Talks em parceria com a Instituição. O encontro que é aberto ao público e realizado no auditório do Cremers, contará com uma transmissão ao vivo.