A troca do piso da Rua dos Andradas, em execução no Centro Histórico de Porto Alegre, tem sido alvo de reclamações de comerciantes do entorno das obras e dos pedestres. O calçadão constituído por placas de granito está sendo trocado por lajes de concreto. Na quinta-feira (25), o colunista Fabrício Carpinejar abordou o tema em sua coluna.
O trecho do calçadão da Rua dos Andradas envolto em polêmicas vai da Marechal Floriano Peixoto até a General Câmara, além de parte da Rua Uruguai, entre a Andradas e a Rua Sete de Setembro. Além desses, há um ponto de intersecção da Rua dos Andradas com a Rua General Câmara e o Largo dos Medeiros.
A prefeitura afirma, por meio da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi), que o projeto leva em consideração questões relacionadas à funcionalidade e à acessibilidade de quem transita pelo calçadão.
— Nossa preocupação foi com a funcionalidade e com a acessibilidade das pessoas naquele local. A estética é um valor subjetivo, cada um tem o que acha bonito, feio, o que gosta ou não. Recebemos isso com a maior naturalidade — observa o titular da Smoi, André Flores, em relação aos posicionamentos contrários (veja, mais abaixo, outras considerações da prefeitura).
Conforme o arquiteto Lucas Volpatto, ex-presidente do Conselho do Patrimônio Histórico Cultural (Compahc), órgão de participação da comunidade na administração pública municipal, o trecho em questão não é tombado. Mas existe tombamento por parte do município de Porto Alegre na Esquina Democrática, por onde passa o piso.
— Na descrição do tombamento, não diz quais itens estão tombados. O piso pode ser trocado — esclarece, dizendo que o projeto foi submetido e aprovado pelos órgãos competentes.
Na sexta-feira (26), Zero Hora circulou pelos trechos em obras na Rua dos Andradas. Foi possível ver muita poeira, sujeira, pedras quebradas e lajes de concreto instaladas. Porém, faltava acabamento em muitas partes.
Também havia pouco espaço para os pedestres transitar, especialmente entre a Rua dos Andradas e a Marechal Floriano Peixoto. Operários, máquinas e barulho tomavam conta de toda Esquina Democrática e adjacências.
A maioria das pessoas entrevistadas mostrou descontentamento e até irritação com a troca do piso. Proprietária de uma banca de revistas quase na esquina com a Marechal Floriano e ao lado do canteiro de obras, Tanise Pereira Escobar, 36 anos, não poupa críticas às mudanças.
— Ficou horrível e muito feio. Acabaram com a estética da Rua dos Andradas. Este negócio de concreto tirou a vida da rua — opina.
A mãe dela, Natália Pereira Escobar, 57, chama atenção para a troca do piso podotátil feita em trecho da Marechal Floriano, pouco acima do cruzamento com a Andradas.
— O trecho ali ficou desnivelado para os deficientes visuais. Seguidamente, vemos idosos cair ali. Se para quem enxerga já é difícil, imagina para quem tem deficiência — aponta ela, acrescentando que "o Centro perdeu a estética".
O técnico em informática Alexandro Felber, 42, passava na frente das Americanas, onde o piso já foi trocado. Ele conta que trabalha perto de onde ocorrem as intervenções urbanísticas.
— Tem bastante instabilidade, mas não sei até que ponto a parte subterrânea que tem aqui (Rua dos Andradas) pode interferir — comenta, completando:
— A pedra anterior soltava com mais frequência e, quando a gente pisava, tomava um banho de água suja. Esta parece que foi projetada para absorver a água da chuva.
Para a publicitária Lurdinha Moraes, 62, o piso anterior era melhor. Na avaliação dela, o acabamento das novas é ruim. Ela reclama de outras coisas:
— É muita barulheira e fica ruim para trabalhar. Não terminam nunca essas obras.
A aposentada Marta Regina da Rosa, 74, descia a Rua Uruguai em direção à Praça Montevidéu. Estava tão indignada com a troca do piso que chegou a chamar a equipe de reportagem para dar sua contribuição.
— Temos que ter todo cuidado, porque está desnivelado e podemos torcer o pé. Eu preferia a outra pedra. Na próxima chuva essa nova vai quebrar — prevê dona Marta, relatando que precisa desviar de uma série de obstáculos quando necessita passar pela Rua dos Andradas.
O aposentado Alcíbiades Corrêa, 76 anos, tem uma opinião diferente dos demais sobre a troca do piso da Rua dos Andradas.
— Esta pedra que estão colocando é mais bonita, mas a antiga era de melhor material e qualidade — diz.
Dificuldades na manutenção da pedra anterior
Além das questões relacionadas à funcionalidade e à acessibilidade, a prefeitura menciona outros problemas para justificar a troca do piso. O que está sendo retirado data de 1974.
— Este trecho (Marechal Floriano até General Câmara) tem uma dificuldade grande de manutenção. É difícil encontrar essas pedras neste tamanho e cores que tinham ali — explica o secretário André Flores.
O titular da Smoi ressalta que o piso podotátil a ser instalado na Andradas funcionará melhor tendo piso de concreto como base.
— Na Rua dos Andradas, nós vamos instalar o piso podotátil para auxiliar os cegos dos dois lados do passeio. Não tem como nós instalarmos isso em cima daquele basalto (piso antigo) — diz.
A prefeitura vai deixar em alguns trechos do calçadão partes do piso antigo, tanto do escuro quanto do avermelhado, como uma referência à história daquele local. A ideia é fazer o mesmo que foi feito na Rua Doutor Flores.
Veículos de serviços públicos, como viaturas da polícia, carros-fortes, ambulâncias e caminhões de bombeiros podem passar pela Andradas. Segundo o Executivo municipal, a troca do piso visa reforçar a via para os momentos que isso acontece.
— No meio vai ser um concreto mais escuro, que pode ou não ser uma pista de rolamento, onde podem passar veículos. Se vão passar é uma decisão da Secretaria de Mobilidade Urbana. Mas vamos deixar a infraestrutura instalada — assegura Flores.
O início das obras do Quadrilátero Central ocorreu em 5 de junho de 2022. Houve alterações nos prazos de conclusão. A entrega estava prevista para 2023. Depois ficou para o segundo trimestre deste ano. Com a enchente, a estimativa passou para o fim deste ano.
A troca do piso da Rua dos Andradas integra o projeto do Quadrilátero Central. Segundo a prefeitura, a previsão é para a entrega da usabilidade do calçadão até dezembro.
O que diz o Iphan
A reportagem entrou em contato com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para ter informações sobre a substituição do piso na Rua dos Andradas. O órgão encaminhou o número do processo no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), onde está registrado tudo o que já foi feito.
No documento, foi possível ver que o Iphan analisou o requerimento da prefeitura da Capital e aprovou a proposta de revitalização do calçadão da Rua dos Andradas.
O instituto afirmou que já deu início ao planejamento para realização de vistoria técnica ao local, o que deverá acontecer nas próximas semanas.