Levando adesivos e fitinhas roxas presas ao peito, cerca de cem pessoas, majoritariamente mulheres, realizaram uma corrida contra o assédio e a importunação sexual na manhã deste sábado (13) em Porto Alegre. As corredoras fizeram a concentração às 6h30min no Parque da Redenção e iniciaram o trajeto às 6h50min. O grupo partiu do Monumento ao Expedicionário e percorreu a Redenção, a Av. Engenheiro Luiz Englert, a Av. Loureiro da Silva, a Av. Augusto de Carvalho e a Rótula das Cuias, dirigindo-se à orla, onde se dispersaram para treinos individuais em um início de manhã frio, nublado e cheio de corredores no trecho mais novo.
O ato ocorreu devido ao registro de quatro casos de assédio e importunação sexual a corredoras no início deste mês. Três aconteceram na Redenção e um na orla – o que definiu a escolha dos locais a serem percorridos. Já o horário foi escolhido por ser um período em que muitas corredoras já estão nas ruas e parques treinando.
Um dos casos aconteceu com a assistente social Aline Ferreira D’ávila, 37 anos, que registrou um boletim de ocorrência e compartilhou um relato nas redes sociais, unindo outras mulheres que enfrentaram o mesmo problema. A bióloga Tathiane Ribeiro, 33, também foi uma das mulheres assediadas – as duas suspeitam que seja o mesmo homem. As corredoras organizaram um abaixo-assinado para que as mulheres possam demonstrar sua insatisfação e pedir mais medidas de segurança e policiamento para os treinos, sobretudo em locais públicos, muito utilizados por corredores, e nesses horários.
— A maioria trabalha, tem seus compromissos, então a gente tem de treinar muito cedo, geralmente. O objetivo é aumentar o policiamento, que nem eles estavam fazendo ontem (sexta) — relatou Tathiane.
O intuito da corrida foi trazer as corredoras para o movimento e demonstrar concretamente o apoio à causa, que é uma demanda concreta e real do cotidiano. Aline avaliou o resultado da ação como positiva, devido à adesão em apenas cinco dias de mobilização e aos elogios das esportistas participantes, inclusive de iniciantes.
— Pode ser que isso não tenha acontecido com alguma, mas tenha acontecido com outra, que está bem do seu lado. A gente quer trazer isso mais para perto, buscar acolhimento entre as mulheres e união para conseguir, de fato, ter medidas. Porque é o que a gente precisa, de prevenção. A gente não quer que uma mulher chegue a uma situação pior para pensar em medidas, estamos dizendo que precisa de prevenção — ressaltou.
Tathiane acredita que o movimento tenha conseguido atrair atenção para a causa.
— Eu estou muito orgulhosa dela (Aline) por ter abraçado a causa, porque, às vezes, a gente fica um pouco assustada, sem saber o que fazer, surpresa, com medo, então foi muito bacana, espero que continue — declarou.
Com um laço roxo no pulso, a advogada Helena Dillenburg, 29, participou do ato e considera a mobilização “superimportante” frente à sensação de impotência em relação ao que está acontecendo em Porto Alegre:
— É importante a gente se unir, mas também exigir que alguma coisa mude, porque isso acontece há muito tempo. Vários colegas foram assediados no nosso grupo, então realmente é algo que precisa ser olhado. E agora estamos nos mobilizando em conjunto para fazer alguma coisa.
Helena relatou já ter sofrido assédio fora das corridas, o que considera uma invasão. A esportista lembrou que, ao correr, busca-se melhorar a autoestima, o estado mental e o físico – e quando esse tipo de situação acontece, o objetivo da corrida é prejudicado.
— Eu acho que não dá para a gente ficar quieta diante do que está acontecendo. Se fosse comigo, eu ia querer também que as pessoas se mobilizassem, então, quanto mais gente se mobilizar nesse sentido, melhor para o movimento — destacou.
Mobilização continua
O movimento quer alcançar 5 mil assinaturas para encaminhar o abaixo-assinado a entidades representativas das mulheres e órgãos públicos – o documento já conta com 4 mil firmas. As corredoras também pretendem seguir a mobilização em outras frentes, baseadas em demandas que surgiram, como a produção de materiais para auxiliar com orientações sobre a importância de denunciar e como fazer isso.
Quando enfrentam situações de importunação sexual, muitas mulheres ainda não entendem o direito e a necessidade de registrar um boletim de ocorrência pelo fato, que é considerado crime, reiterou Aline, reforçando que os dados ajudam a realizar um mapeamento. Tathiane espera que o movimento possa ajudar outras mulheres:
— Eu espero que até mesmo dentro do Brasil, Porto Alegre seja um exemplo, porque existem corredores em todo o Brasil que, com certeza, também passam por essas situações. Queremos dar visibilidade ao movimento.
Investigação
Após o registro do boletim de ocorrência por Aline, um inquérito por importunação sexual foi aberto pela Polícia Civil. A delegada Fernanda Campos Hablich, da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), informou a Zero Hora que a investigação está em andamento, ainda em fase inicial. O órgão ainda não recebeu as imagens de câmeras de segurança para análise, mas já colheu depoimentos e busca realizar a identificação do suspeito. A polícia informou que está tentando contato com as vítimas dos outros supostos casos, que até agora não foram registrados – oficialmente, o poder público foi notificado apenas de um.