Quem circula pela Avenida Ipiranga, muito provavelmente já se surpreendeu com o nível elevado do Arroio Dilúvio, assim como com o alagamento que toma conta da Avenida Érico Veríssimo, em frente ao Teatro Renascença. Mas bem perto disso tudo, está uma comunidade devastada pela enchente nesta terça-feira (7): o Território Ilhota, na região central de Porto Alegre.
Passar pela frente não é o suficiente para descobrir o drama vivenciado pelos moradores do local — em sua maioria, em situação de vulnerabilidade social. Até porque a fachada, colorida, fica no nível da Ipiranga, que não chegou a ser impactado até o momento.
Basta acessar a entrada principal para perceber os impactos. É impossível percorrer a viela sem se molhar. A água passa da cintura. As residências ficam abaixo da avenida e do nível do arroio nas condições atuais. Uma casa de bombas, que parou de funcionar, está localizada ao lado.
Marcelo e Fernanda moram no bairro São José, na zona leste da cidade, mas a mãe de cada um deles reside na Ilhota. O casal relembra que estava se preparando para ajudar pessoas atingidas em Eldorado do Sul, na Região Metropolitana, quando soube que a própria família havia sido afetada na Capital.
— Eu vim ajudar ela (a mãe), ajudar meus parentes, né? Mas não consegui salvar quase nada. Só aquilo ali. Tênis, roupa, porque foi tão rápido — comenta Marcelo de Paulo Almeida.
Um dos itens resgatados de dentro de casa foi um ursinho de pelúcia. O brinquedo pertence ao neto da senhora, filho de Marcelo. Muitas coisas que pertenciam ao menino se foram. A casa da sogra também foi inundada.
— Ela mora aqui embaixo, na rua de baixo, perto da casa de bomba. Ali a água já tá no teto, não consegui entrar ali pra se salvar nada. Perdemos TV, perdemos o notebook dela, um monte de roupa, tudo, porque não deu pra recuperar nada mesmo.
— Uma vida perdida, perdida — lamenta Fernanda Minho e Silva.
Morador da Ilhota, Ari Afonso Paula da Silva também entrou para as estatísticas de atingidos pela cheia. Ele relata que nunca havia vivenciado algo parecido.
— Foi do nada, do nada. Ontem de noite a água estava a uns dois metros da ponta do beco. Aí de manhã a agua já tava aqui. Dentro de casa.
Moradora defende relação mais saudável com a natureza
Angélica Celeste Mirinhã, 70 anos, mora num sobrado. O primeiro andar, onde fica a cozinha e também onde reside a filha mais velha, ficou submerso.
— Nós perdemos um pouco da esperança, da dignidade. Porque nós moramos numa comunidade, a Ilhota, que busca resgatar a negritude, fazer com que as pessoas tenham a vida digna. Perdemos tudo o que construímos estudando e trabalhando — lamenta a mulher.
Segundo a idosa, a filha precisou ser hospitalizada porque teve uma crise de ansiedade. A neta de dona Angélica também perdeu seus brinquedos, roupas, tudo o que tinha.
Questionada sobre como será a vida daqui para frente, a moradora do Território Ilhota acredita que será necessária uma grande união em nome de um replanejamento não só de Porto Alegre, como de todo o Rio Grande do Sul.
— Eu sempre morei em vilas, peças que a minha mãe alugava, porque a gente era pobre, né. E a moradia é uma coisa muito importante. Eu acho que nós temos que pensar numa cidade diferente. Precisamos sair de perto dos rios, deixar eles tomarem seu rumo e cumprirem seu papel ambiental, construir casas em lugares apropriados, pensar um novo Rio Grande do Sul — concluiu.