As placas de identificação de vias públicas que fazem esquina com a Rua Santo Antônio, em Porto Alegre, amanheceram nesta sexta-feira (31) cobertas por adesivos com os nomes de quatro militantes políticos presos e torturados pela ditadura militar (1964-1985).
A ação foi realizada na madrugada pelo movimento de juventude Juntos!, em protesto contra os 59 anos do golpe militar, que começou em 31 de março e acabou consumado entre os dias 1º e 2 de abril, quando a Presidência da República, até então desempenhada por João Goulart, foi declarada vaga.
Na iniciativa, os integrantes do Juntos! afixaram, sobre as placas de rua, adesivos que reproduzem as características dos equipamentos públicos oficiais. Nos simulacros, as vias foram rebatizadas com os nomes de Ary Abreu Lima da Rosa, Ignez Maria Serpa, Nilce Azevedo Cardoso e Diógenes Carvalho de Oliveira. Todos eles tiveram militância no Rio Grande do Sul ou participaram da guerrilha e, em algum momento, foram presos e torturados. Ary foi o único do quarteto a morrer na prisão. Abaixo dos nomes, as peças trouxeram um breve histórico de suas trajetórias.
O ato ocorreu na Rua Santo Antônio, no bairro Floresta, porque lá ficou o Dopinho, primeiro centro de prisão clandestina e tortura das ditaduras do Cone Sul. Adesivos em homenagem aos militantes também foram afixados em postes da região.
— A ação é simbólica, para que a gente lembre os mortos e torturados da ditadura. Muitos foram torturados no Dopinho. É importante jamais esquecer para que nunca mais aconteça uma ditadura — afirma Ana Paula Santos, integrante da coordenação do Juntos!, coletivo que tem relação de parceria política com o PSOL.
Os autores da iniciativa ainda protestam contra o fato de torturadores não terem sido julgados e condenados no Brasil, amparados pela Lei da Anistia. A mesma norma valeu também para guerrilheiros.
— Não tivemos justiça. São crimes políticos que exigem justiça — diz Ana Paula.
Ela rebate eventuais críticas pela obstrução de informações a pedestres e motoristas e confirma que não houve pedido de autorização à prefeitura de Porto Alegre para cobrir as placas.
— Afronta é o que foi feito na ditadura. Foi uma movimentação simbólica que não infringiu nenhum direito. A manifestação é justa, falamos de pessoas mortas e torturadas. Não tem como comparar um adesivo com pessoas mortas pela ditadura — declara Ana Paula.
A reportagem contatou a prefeitura de Porto Alegre, que se manifestou por nota: "A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) reforça que as colagens que estão sendo realizadas, substituindo os nomes das ruas, geram desinformação e podem causar problemas na mobilidade urbana tanto para pedestres quanto para motoristas, afetando os deslocamentos da cidade. A Secretaria de Obras, fiscal do contrato de concessão de gestão, instalação e manutenção das placas de rua, já acionou a concessionária para providenciar a substituição das placas que foram adesivadas indevidamente."
Quem são os quatro homenageados pela ação
- Ary Abreu Lima da Rosa
Era estudante de engenharia na UFRGS e morreu aos 21 anos, em 1970. Inicialmente, foi preso em 1969 enquanto fazia uma panfletagem na universidade criticando a falta de vagas e o regime militar. Depois de solto, mudou-se para São Paulo com a namorada, mas não se adaptou e retornou a Porto Alegre. Em agosto de 1969, foi condenado à revelia. Por fim, esteve preso na Base Aérea de Canoas, onde teria cometido suicídio cortando os vasos do antebraço. O caso dele foi analisado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, instalada em 1995, e o inquérito formalmente instaurado para investigar o suicídio foi considerado superficial. É uma morte avaliada como suspeita até hoje.
- Ignez Maria Serpa
É veterinária e servidora pública de Porto Alegre. Teve conhecida militância em Porto Alegre, atuando na guerrilha VAR-Palmares, período em que adotou o codinome Martinha. Junto de outros militantes como Edmur Péricles Camargo, participou do assalto ao Banco do Brasil em Viamão, em 1970, em ação que os militantes chamavam de expropriação. Acabou presa ainda em 1970 e os jornais da época reportaram que "uma bela loira" havia participado do ataque ao banco. Era uma peruca usada por Ignez.
- Nilce Azevedo Cardoso
Foi militante da Ação Popular e faleceu em 2022. Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke prestou depoimento sobre Nilce: "Saudosa. Foi uma das mulheres mais barbaramente torturadas que conheci. Pelo resto da vida teve dores na coluna, mas sempre foi muito disposta. Foi o Pedro Seelig (delegado e chefe do Dops de Porto Alegre) que a torturou".
- Diógenes Carvalho de Oliveira
Foi membro da organização guerrilheira VPR. Recebeu treinamento militar em Cuba, foi preso, torturado e viveu 20 anos no exílio. Em outubro de 1968, participou do grupo de execução que matou, em São Paulo, o oficial do Exército dos Estados Unidos Charles Chandler. As guerrilhas da época identificaram Chandler como suposto espião da CIA. No pós-redemocratização, Diógenes foi um dos personagens centrais da CPI da Segurança Pública, que apurou suposto envolvimento dele com o jogo do bicho para arrecadar recursos de campanha.