Seguindo a onda de murais pelos prédios do Centro Histórico, o prédio do Hotel Master Premium Palace, desativado em 2016, na Rua Senhor dos Passos, recebeu o trabalho simultâneo de quatro artistas negros ao longo de novembro pintando a obra de arte Aurora Negra. A ação organizada por Vinícius Amorim e a empresa Pólen reuniu representantes de quatro Estados para criar a manifestação da consciência negra encomendada pela rede de supermercados Carrefour.
“Em nossas consciências negras não existe margens, porque somos o centro de nossas histórias, histórias de afeto, orgulho, luta e preservação, sentimentos concentrados em um beijo sensível em nossas crianças, utopias de afro futuros com os nossos pequenos reis e rainhas, máscaras desnudam a face e abrem portais para outros tempos, gratidão pelas linhagens que nos trouxeram até aqui e nos colocaram de queixo erguido, empoderando nossas poesias, sem esquecer que para que nossas cabeças estejam nas nuvens, é importante que vossos pés estejam no chão, observando o novo dia, uma nova aurora, a Aurora Negra”, diz o manifesto poético que acompanha a pintura.
Duas figuras femininas e um bebê, todos negros, estampam o paredão norte do Hotel Master Premium Palace. O mural está virado para o lado do Guaíba e pode ser visto por quem sobe a rua desde antes da esquina com a Alberto Bins em direção a Salgado Filho. O desenho é assinado por pelos artistas Gugie, Reis, Braza e Negritoo.
Gugie é Monique Cavalcanti, 28 anos, nascida no Distrito Federal e radicada em Florianópolis. “Antes de unir as ideias, cada um criou uma arte (ou algumas artes) hehe e então vimos que nossas propostas convergem em muitos aspectos. Foi tranquilo chegar no conceito, pois a intenção de nós todos era visar um futuro, enaltecer nossa beleza, nossa força e nossa luta”, disse ela sobre o trabalho no Aurora Negra em seu perfil no Instagram.
Reis é o sobrenome de Felipe, gaúcho de Porto Alegre mas com carreira no grafiti no Rio de Janeiro. Brasiliano, o Braza, é o outro gaúcho, de Santa Maria. O paulista Negritoo completa o time de referências na arte urbana nacional que foi trazido a Porto Alegre por Vinícius Amorim.
— Demandou um pensamento diferente para entrelaçar as ideias. São superprofissionais no trabalho desse nível, então tínhamos que dialogar. Cada um pintar o seu pedaço é uma coisa, mas pensar isso em conjunto é outra. Foi necessário muita sintonia para cada um dos processos individuais se juntar em torno do briefing, que era retratar um pouco da nossa visão da cultura negra, naquele espaço que vai ser visto por tantas pessoas nos próximos três ou quatro anos — comenta Reis, 42 anos, artista em grafite desde os 17.
A ação faz parte das iniciativas para combater o racismo estrutural, segundo a nota divulgada pelo setor de Sustentabilidade do Carrefour: “A empresa assumiu oito compromissos para contribuir com o combate ao racismo estrutural. Entendemos que o incentivo à arte com essa temática, sendo produzida de forma legítima por quem tem lugar de fala abre espaço para reflexão”.
A pintura foi concluída no dia 13 de dezembro, pouco mais de um ano depois do assassinato de João Alberto. Ele foi morto por seguranças da empresa terceirizada que prestava serviços em uma loja Carrefour de Porto Alegre, em 20 de novembro de 2020, dia da Consciência Negra.
O curador Vinícius Amorim concluiu outros quatro murais no mesmo mês. A exposição Arte Salva coloriu outros quatro prédios do Centro Histórico antes do Aurora Negra. Sua intenção é criar uma rota de caminhada para observação dos murais a partir de janeiro de 2022.