A lojista Juliana Silveira, 38 anos, é mãe de dois guris, um de nove e outro de 16 anos. Quando o caçula tinha apenas três meses, ela e o pai das crianças terminaram a relação de 10 anos. Juliana, moradora do bairro Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre, conta que o ex-companheiro, usuário de drogas, abandonou a família e não manteve contato com os filhos.
O tempo passou, e ela acabou se relacionando com um novo companheiro, que assumiu a figura paterna dos filhos, mas comenta que nunca havia conversado com o pequeno sobre o pai biológico. Foi em 2019 que recebeu o conselho para buscar acompanhamento psicológico para o menor, que se tornou muito introspectivo e não conseguia se relacionar bem com outras crianças.
Devido ao alto custo das consultas, Juliana procurou locais que cobrassem valores mais acessíveis. Foi quando chegou em Jéssica Souza, psicóloga e também moradora do seu bairro, que atende a comunidade cobrando valores sociais – o custo que é pensado de forma a caber na realidade financeira da pessoa.
– No início foi bem difícil, porque era um assunto com o qual, apesar de nunca ter escondido, não conseguíamos lidar em casa. E, no acompanhamento que a Jéssica fez, meu filho desenvolveu muitas coisas que não conseguia. Ele começou a conversar sobre esse assunto, questionar, e a gente conseguiu introduzir aos poucos, de uma forma mais suave. A Jéssica faz um trabalho importantíssimo para a comunidade, não só para o meu filho, mas para as outras crianças, também – conta Juliana.
Bairro
Jéssica conta que valoriza o impacto social de suas práticas profissionais. Ao longo de sua trajetória, ela entendeu que, para dar sentido ao seu trabalho, queria praticar a profissão de forma mais próxima à sua comunidade. Apesar disso, o projeto que desenvolve hoje surgiu de uma necessidade pessoal.
Aluna bolsista de uma universidade privada, ela se formou em 2018. Apenas com as experiências de estágio que teve ao longo da graduação, não conseguiu um emprego. Então, a preocupação em estar sem ocupação foi o que a moveu para criar sua própria renda. Apresentou para o presidente da associação de moradores do bairro o projeto: usar aquele núcleo como uma clínica de atendimentos psicológicos a baixo custo para os moradores do bairro.
Entre crianças e adolescentes, logo nos primeiros meses de atendimento, ela já acompanhava 22 pessoas. Com as demandas que chegavam ao seu consultório, não demorou muito para perceber que a universidade não ofereceu toda a bagagem teórica que precisava para lidar com seu próprio território, o lugar onde cresceu e vive. Sua percepção em relação ao ensino de psicologia é de que tem um viés elitista forte, que parece estar mais focado na realidade das classes altas.
– Ali (no bairro dela), eu estava vendo uma outra realidade, que aqueles autores da graduação não mostravam. Comecei a buscar referências mais voltadas ao espaço em que eu estava atendendo. Busco estudar os processos de construção de identidade que ocorrem nesses espaços chamados periféricos – completa.
Trabalhar com a periferia é lidar com situações próprias destas regiões. Acompanhando pessoas em idade escolar, ela comenta que questões relacionadas a racismo, baixa autoestima e as mais diversas formas de violência são frequentes em seus atendimentos. Para ela, a falta de políticas públicas desses locais e os estereótipos negativos criados sobre as pessoas das periferias também afetam a saúde mental delas.
Percebendo o impacto positivo e a importância que as consultas tiveram para os seus pacientes, Jéssica deseja expandir o projeto. Ela, que hoje faz mestrado na UFRGS, firmou um convênio com a universidade e está apta a receber estagiários para auxiliarem nos atendimentos.
Outro psicólogo, morador da Cohab Rubem Berta, pretende começar a atuar no espaço. Adriel Rosa, 28 anos, compartilha a visão que Jéssica tem sobre a prática da profissão. Seu desejo é usar os conhecimentos que desenvolveu na universidade, onde se formou por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), para fortalecer a comunidade onde foi criado.
Ele fala que, na periferia, é difícil encontrar espaços que, além de lidarem com saúde mental, compreendam as demandas desses territórios:
– A questão financeira causa um sofrimento muito grande nessas populações, simplesmente pelo fato de tu não saberes se irá conseguir pagar uma conta no final do mês, se irá conseguir botar comida dentro de casa. E tem a situação da violência, que é (causada) tanto por parte da comunidade quanto do próprio Estado – enfatiza Adriel.
Em seus próximos passos no projeto, Jéssica pretende firmar parcerias com outros grupos da comunidade que ofereçam práticas esportivas e culturais. A ideia é pensar a saúde mental de forma completa, seguindo com a oferta do atendimento psicológico, mas também encaminhando seus pacientes para esses outros espaços.
Ela pretende, ainda, passar a oferecer consultas de forma gratuita para a população. Mas, para isso, tem buscado parcerias com pessoas e grupos que financiem seu trabalho. Para obter mais informações, entre em contato pelo telefone (51) 98659-6105.
Produção: Émerson Santos