A silhueta longilínea, muito usada em barcos no passado, revela a data de nascimento de um dos mais antigos veleiros em atividade no Rio Grande do Sul. Com 11 metros de comprimento e 2,5 metros de largura, o Yaramar completou 75 anos em abril, com a disposição de uma jovem embarcação nas regatas noturnas do clube náutico Veleiros do Sul.
— Ele anda bem. Chega a incomodar os outros, feitos há um ou dois anos — compara o skipper Augusto Altreiter, 32 anos, atual proprietário do barco e neto de Bruno Altreiter, que o construiu.
Nascido na Alemanha, Bruno imigrou para o Brasil aos 18 anos. Mais tarde, aos 37, dono de uma oficina de automóveis no bairro São João, na zona norte de Porto Alegre, decidiu materializar sua paixão por embarcações, fazendo um veleiro do zero. Com a ajuda de um amigo, levou três anos para finalizar o barco, construído dentro de uma garagem fechada, onde não podiam entrar pessoas estranhas.
— Era o fim da Segunda Guerra, os alemães eram perseguidos, e o veleiro poderia gerar preocupação. Como que essas pessoas vindas do Exterior estavam construindo um barco? Para quê? Na verdade, o que eles menos queriam era estar perto da guerra. Foi uma época muito difícil para o meu pai — conta o engenheiro mecânico Bruno Altreiter Filho, 64 anos.
Feito com madeiras nobres — casco de cedro vermelho e convés de louro —, o veleiro foi destaque na revista Yachting Brasileiro de maio de 1946 com a matéria: “Yara, o novo e elegante cuter gaúcho”. Chamado primeiramente de Yara, nome que é um mistério até hoje, o cúter (barco que tem duas velas de proa usadas simultaneamente) precisou ser rebatizado como Yaramar quando a Marinha unificou seu sistema no país, e duas embarcações foram identificadas com o mesmo nome.
A relíquia ganhou uma festa de inauguração e foi lançada às águas do Guaíba pela primeira vez em 1946, no clube Veleiros do Sul. É lá que permanece até hoje, sob os cuidados de Augusto, instrutor de vela e dono de uma loja de manutenção para barcos. Ele conta que o veleiro chama a atenção pelo estilo clássico.
— Como meu avô decidiu retirá-lo da garagem somente depois do fim da guerra, foi aprimorando mais e mais, caprichando nos detalhes. É tudo mérito dele, que fez esse barco com carinho, amor e cuidado. A ideia dele era tê-lo para o resto da vida — resume.
O convés de louro freijó, escolhido para dar mais leveza à parte superior, permitiu ao veleiro fazer sucesso em competições pelo Estado. Em 1954, foi campeão na primeira regata longa da classe Oceano no Rio Grande do Sul, a Porto Alegre – Feitoria, de 200 milhas de distância.
Ao longo dos anos, passou por algumas transformações, como a diminuição da popa e a instalação de um banheiro. Na parte interna também há uma pequena cozinha e espaço para até sete pessoas dormirem. Apesar das mudanças, os herdeiros fazem questão de mantê-lo o mais próximo do original.
— Mas nem sempre é fácil. Nas manutenções a gente tenta encontrar a mesma madeira, mas notamos que as antigas são muito melhores do que as de hoje. Nas originais dá para sentir o cheiro do louro, do cedro. Eles deixavam as tábuas de molho em óleos para não empenar, era um processo artesanal — conta Augusto.
Segundo ele, o barco nunca saiu do território gaúcho, e as grandes competições ficaram para trás. Hoje, o Yaramar participa apenas das regatas noturnas no Veleiros do Sul, feitas uma vez por mês. Todo esse cuidado busca preservar a relíquia passada de geração em geração.
— Esse barco é amor, não é para "dar pau". É uma joia. Até damos umas voltas, mas se tem vento forte a gente não sai. É como um fusquinha com placa preta na garagem, a gente leva na pontinha dos dedos.