A tentativa do Consórcio dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal) de comprar 1,8 milhão de doses da vacina Sputnik V, por intermédio do laboratório búlgaro TMT Globalpharm, empacou nas incertezas sobre quais empresas estão realmente autorizadas a representar o fundo russo que desenvolveu o imunizante.
A negociação com a TMT era, em tese, a mais avançada da Granpal. As conversas começaram em fevereiro e os 16 prefeitos da Granpal chegaram a preencher cartas de intenções com as reservas de doses.
Contudo, desde o início de abril, os integrantes da associação passaram a nutrir insegurança sobre quem está autorizado a intermediar a venda da Sputnik V. A TMT apresentou-se no mercado brasileiro, abrindo negociações com prefeitos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Já o laboratório União Química fechou parceria com o Fundo Soberano Russo para produzir o imunizante no Brasil. O fundo do leste europeu, diante de consultas formais da Granpal sobre quem o representa no país, silenciou e deixou os gestores locais no escuro.
— A vacina não avançou nada até agora. Temos feito contatos, mas nenhum seguro. Não avançou e não é por falta de desejo, mas é que não nos sentimos seguros para fazer a compra nesse momento. Quem nos procura sempre vem com uma conversa...tem muito atravessador. Muito atravessador — disse Sebastião Melo, prefeito de Porto Alegre e presidente da Granpal, após reunião dos membros do consórcio realizada na tarde desta terça-feira (20).
Para Melo, é possível afirmar que, atualmente, os prefeitos da Região Metropolitana estão “longe” de um desfecho positivo para a compra de antídotos ao coronavírus.
— Com insegurança, não faremos nada. Continuamos com o desejo, mas não há nada concreto — assegurou Melo, que assumiu a presidência da Granpal no dia 6 de abril.
O antecessor dele no comando do consórcio, o prefeito de Nova Santa Rita, Rodrigo Battistella, foi quem deu início às negociações com o laboratório búlgaro TMT. Nos dias que antecederam a transmissão de cargo para Melo, Battistella já identificava o recuo nas tratativas com o TMT.
— Queríamos que o fundo russo se pronunciasse e dissesse qual empresa que vai representá-lo aqui no Brasil. Hoje está no vácuo, duas empresas se apresentaram (TMT e União Química), e estamos sem informação. É difícil ter contato com o fundo russo. Não temos esse contato — disse Battistella, em entrevista, ao deixar a presidência da Granpal.
Ainda há mais dois empecilhos para a Granpal no processo de aquisição de vacina pelos municípios. O primeiro é que o Ministério da Saúde tem reiterado que Estados e municípios podem comprar, mas que as cargas serão confiscadas para distribuição igualitária no país via Programa Nacional de Imunizações (PNI), sob coordenação do governo federal.
— Os municípios são detentores de poucos recursos. Se comprarmos e colocarmos tudo no PNI, seremos muito penalizados. Estaremos tirando recursos da própria saúde para fazer isso. Eu defendo que os municípios possam aplicar todas as vacinas compradas por eles. Uma segunda hipótese, que poderia vir em uma negociação, é destinar parte dessa vacina, de 20% a 30% da carga, para o sistema nacional. E o restante ficar com as prefeituras. Se não for assim, não se justifica comprar — avalia Melo.
O segundo empecilho é o fato de a Sputnik V ainda não ter a aprovação de registro emergencial ou definitivo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Desta forma, não está apta a ser aplicada até o momento no Brasil.
Uma alternativa mais segura do ponto de vista jurídico seria comprar a CoronaVac do Instituto Butantan, mas isso somente poderia ocorrer depois de setembro, quando o laboratório deverá terminar de entregar as 100 milhões de doses asseguradas via contrato ao governo federal. Depois, ainda terá de atender uma reserva de 30 milhões de doses do governo estadual de São Paulo. Na etapa seguinte, poderiam ser atendidas outras unidades federativas e municípios. No dia 16 de abril, o governador Eduardo Leite esteve na sede do Butantan, em São Paulo, para reforçar a intenção de adquirir a CoronaVac. A própria Granpal e o presidente da Assembleia, Gabriel Souza, já protocolaram no Butantan carta de intenções para aquisição dos antídotos.
— Se o governador liderar um consórcio, tenho certeza que estaremos junto dele. O importante é chegar a vacina — diz Melo.