Uma pousada com aluguel mensal de quartos na Zona Norte e casas pequenas em um mesmo terreno na Zona Sul estão contribuindo para levar dignidade a quem morava nas ruas de Porto Alegre. Porém, a prefeitura tem dificuldades em encontrar quem ajude a fortalecer o Programa Moradia Primeiro.
Na prática, o projeto oferece a oportunidade para que proprietários de imóveis aluguem espaços para pessoas que estão no sistema da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), com garantia de pagamento por parte do Executivo Municipal. Os contratos são válidos por um ano, com cláusula de rescisão a qualquer momento por ambas as partes. Após fechar o prazo, a Fasc garante que o pagamento pode ser prorrogado por até mais dois anos, com verba da prefeitura.
Ao todo, 62 pessoas que moravam nas ruas já completaram o primeiro ano do programa, pago com verba federal, e agora recebem o benefício com recursos da prefeitura.Outros 22 inquilinos estão no primeiro ano do projeto. Assim, o total de beneficiários chega a 84 pessoas. Porém, há dificuldade para encontrar imóveis, tanto pelo valor oferecido quanto pelo desconhecimento do trabalho. Em 2021, ainda há verba para preencher ao menos 16 vagas no projeto.
Proprietário da Pousada Garoa, na Avenida Benjamim Constant, na Zona Norte, há 10 anos, André Garoa, 38 anos, é um dos parceiros da prefeitura. Ele aluga quartos individuais com cozinha coletiva. Para ele, o projeto ajuda não somente quem está em situação de rua, mas também os proprietários em meio à crise econômica.
— Ficamos sabendo do projeto pela internet, e ali começamos os trâmites para alugar os quartos. Faz dois anos que a gente faz parte do programa, e temos 10 moradores do Moradia Primeiro, contando também outras propriedades pela cidade. Estou satisfeito. As pessoas deviam abrir mão do preconceito. São locatários igual aos demais — diz Garoa.
O proprietário ressalta que os pagamentos ocorrem em dia e que a equipe de assistência social da prefeitura faz acompanhamento constante dos moradores:
— Eles mantêm acompanhamento regular, não é simplesmente colocá-los aqui. Os moradores são pessoas melhores hoje.

Quem está no programa agradece. É o caso de Rosane da Silva, 50 anos. Rosane tem seis filhos, mas cinco já não vivem com ela. Depois de separada, foi viver com a mãe em Canoas, mas, após conflitos familiares, saiu de casa apenas com roupas para si e a filha Suelen, em 2018. A cada noite, ambas ingressavam em um albergue da Capital. A angústia de não saber como seria o próximo dia acabou quando agentes da Fasc apresentaram o programa. Rosane e a filha passaram a morar na pousada, cada uma com um quarto. Ela afirma que o Moradia Primeiro tirou o medo de ter que dormir na rua:
— Moramos um ano e pouco na rua. Foi bem triste e ruim. Íamos para o albergue para comer, tomar banho, dormir. Eram 15 dias em cada um, mas o tempo foi passando, e comecei a procurar lugar pra alugar. Ficava nos semáforos da (Avenida) Sertório pedindo e ganhando um dinheiro para viver durante o dia.
Rosane completou um ano de programa em julho de 2020, segundo a Fasc. Sem emprego ainda, ela e a filha se sustentam com o benefício de prestação continuada, que é pago pelo INSS a Suelen. A fundação tem acompanhamento frequente de quem ingressa no sistema, e ofereceu uma continuidade do aluguel solidário por mais um ano, com verbas reservadas da própria prefeitura. Para Rosane, a pousada oferece a oportunidade de organizar a vida.
— Ficamos cansadas de sentar na rua, de pegar um prato de comida dos outros para comer. Minha filha me disse que estava cansada disso. Via o rosto da minha filha suado, cansada do sol da rua de Porto Alegre. Eu preocupada, sem poder dar um banho para ela, dar uma roupinha limpa para ela. Agora aqui a gente sabe que vai tomar banho, vai tomar café, com calma. É outra vida — diz Rosane.
Projeto Mais Dignidade
Surgido em 2017 com um braço do projeto Mais Dignidade, o Programa Moradia Primeiro foi efetivado em 2018, com verbas do governo federal, e está sob responsabilidade da Fasc e da Secretaria Municipal da Saúde. Ele consiste, primeiramente, em oferecer acesso imediato à moradia, com aluguel de habitação para pessoas que vivem nas ruas custeado pela prefeitura de Porto Alegre. Além disso, oferece o acompanhamento de serviços dos centros de Atenção Psicossocial (Caps) do município.
O governo federal disponibilizou R$ 2 milhões para o Mais Dignidade. Do montante, cerca de R$ 980 mil foram reservados para o eixo de habitação. Quando surgiu, o programa destinava R$ 500 para cada aluguel, mensalmente. Em 2020, houve a renovação e, já com dificuldades de encontrar imóveis com essa faixa de preço, a prefeitura passou a pagar até R$ 800 por aluguel.
Das 62 pessoas que completaram um ano no programa, 59 pediram a continuidade com o auxílio da prefeitura. A ideia é desenvolver autonomia e independência financeira. De acordo com a coordenadora do Moradia Primeiro, Patrícia Schuler, é preciso retirar o preconceito que há com quem apenas busca uma moradia:
— Sempre há espaço para gente que quer entrar no programa. Tivemos que ir atrás das pousadas porque não conseguimos imóveis em Porto Alegre. Temos pessoas morando em casas, mas é difícil. Tem um preconceito muito grande ainda.
Para fazer parte do programa, o proprietário precisa realizar um cadastro no site da prefeitura, através do link https://prefeitura.poa.br/sms/projetos/aluguel-solidario. Ele deve anexar fotos do imóvel e responder um questionário. Em seguida, equipes da Fasc vistoriam o ambiente e buscam beneficiários que se adaptem ao local, para depois oferecer a moradia. Caso haja interesse, o contrato é assinado.
O projeto Mais Dignidade tem encerramento previsto para dezembro de 2021. Patrícia ressalta que mesmo que o projeto termine, a prefeitura manterá os pagamentos:
- Se alguém ingressar no programa e ele for encerrado no final do ano, a pessoa vai ter o aluguel pago com verba da própria prefeitura, através da Fasc. O que a gente tem contratado no município é que nenhuma pessoa voltará para a situação de rua por questão financeira.
Assim como outros que tem a oportunidade de um recomeço, Rosane agora faz planos:
— Morando aqui na pousada, tendo um dinheirinho, estou bem. Quero agora um emprego e alugar uma casa com pátio para mim e para a minha filha. É bom aqui, mas estou louca para achar uma casa para morarmos.