Uma das raras casas coloniais que resistiram em Porto Alegre fica no número 582 da Rua João Alfredo. O Solar Lopo Gonçalves, sede do Museu de Porto Alegre Joaquim José Felizardo, é a lembrança de um tempo em que a região ficava fora dos limites urbanos do município.
Estima-se que a casa foi construída entre 1845 e 1855, em uma área considerada semirrural da cidade. A chácara tinha, à frente, a Rua da Olaria (hoje General Lima e Silva) e, aos fundos, a chamada Rua da Margem (João Alfredo).
Era uma espécie de casa de veraneio da família do comerciante Lopo Gonçalves Bastos. Foi construída com porão alto e acesso principal pela escadaria lateral, como destaca o livro O Solar que Virou Museu: Memórias e Histórias, com texto e pesquisa de Ana Carolina Gelmini, Fernanda Tocchetto e Maria Angélica Zubaran.
- O Solar tem grande valor histórico, artístico e cultural para a cidade, e é um dos últimos remanescentes do estilo luso-brasileiro relacionado às origens açorianas de Porto Alegre - ressalta Maria Angélica.
As janelas frontais, hoje em cor verde, têm quadro superior ornado com meias rosáceas. As paredes externas foram construídas em alvenaria de tijolos e, as internas, em estuque (barro, madeira e folhas de palmeira.
Acredita-se que o térreo servia como uma espécie de senzala para os escravos de Lopo Gonçalves. Há, dentro do museu, os nomes deles listados no inventário de posse do comerciante.
Lopo Gonçalves Bastos nasceu em Portugal em 1800. Em Porto Alegre, teve um armazém de secos e molhados na Praça da Alfândega, uma loja de tecidos no piso inferior do sobrado onde de fato morava, na Rua da Praia, e algumas embarcações em sociedade com seu sogro. Foi vereador em dois mandatos eletivos, de 1833 a 1836 e de 1845 a 1849. Foi provedor da Santa Casa de Misericórdia e fundador do Banco da Província do Rio Grande do Sul (1858). Dono de um dos maiores patrimônios da sociedade porto-alegrense, morreu em 7 de novembro de 1872.
O Solar pertenceu à família dele até 1946. O imóvel foi adquirido pelo empresário e político Albano José Volkmer, servindo de moradia e instalação de parte de uma fábrica de velas. Nessa época, fica conhecido como Casa da Magnólia, em razão da árvore centenária que ainda hoje está no jardim.
Em 1966, o Serviço de Assistência e Seguro Social dos Economiários (Sasse) adquiriu o Solar para construir condomínio para os seus associados. A intenção era demolir o casarão colonial, o que chegou a ser autorizado pela prefeitura.
Com o espaço urbano em rápida transformação, na década de 1970, um grupo de intelectuais - incluindo o historiador Sérgio da Costa Franco - começou uma campanha pelo restauro e preservação do prédio. A prefeitura acabou fixando uma permuta pelo Solar, e ele foi tombado em 21 de dezembro de 1979.
O museu inclui um acervo fotográfico de mais de 8 mil imagens e mais de mil objetos dos séculos 19 e 20, incluindo mobiliário, indumentária e acessórios de uso pessoal – como um acendedor de lampião, de 1910, exposto ao lado da escada. Também é para onde vão os achados arqueológicos da cidade: conta com mais de 200 mil itens relacionados a diferentes grupos que ocuparam Porto Alegre desde o período pré-colonial.
Presente e futuro
As visitas ao público seguem suspensas em razão da pandemia de coronavírus. Somente pesquisadores têm acesso à parte interna do museu, mediante agendamento.
Já o quintal na parte de trás do museu fica aberto das 9h às 12h e das 13h30 às 17h, de segunda a sexta-feira. Era um lugar usado para piqueniques e eventos, mas que hoje tem a grama alta – é difícil mesmo caminhar.
Na chegada ao museu, a recepção também não é das melhores: há galhos acumulados no jardim, e os muros estão pichados.
— Tá meio largado, era mais cuidado antes — reclama o enfermeiro Cristiano Marques Coelho, 46 anos, ao passar em frente ao prédio.
A programação visual de fato está desgastada e há reparos a serem feitos no prédio, assim como em outros equipamentos da Secretaria Municipal de Cultura. Estou visitando e mapeando necessidades
GUNTER AXT
Secretário da Cultura de Porto Alegre
Questionado sobre os planos para o local, o secretário da Cultura de Porto Alegre, Gunter Axt, explicou que o museu precisa ser mais conhecido e dialogar com espaços semelhantes de outras localidades.
— A programação visual de fato está desgastada e há reparos a serem feitos no prédio, assim como em outros equipamentos da Secretaria Municipal de Cultura. Estou visitando e mapeando necessidades. (O espaço também) precisa de um novo plano de gestão. Estou trabalhando nisso com atenção — garante Axt.
Entre as necessidades já diagnosticadas, conforme o secretário, estão a correção de infiltrações no torreão, a ampliação da reserva técnica e a otimização do aproveitamento do jardim pela comunidade.
— Já solicitamos podas, limpeza e capinas para os jardins do museu, do Arquivo, da Casa da Música, do Centro Municipal de Cultura, da Casa Godoy, do Solar Paraíso... Em razão da pandemia, a manutenção foi reduzida no ano passado. Então, agora, há certo congestionamento. Mas estamos sendo muito bem atendidos pela Secretaria de Serviços Urbanos. Do museu já foram retirados galhos secos e lixo verde — explica o secretário.
Quanto à reabertura do Museu de Porto Alegre Joaquim José Felizardo, Axt afirma que pretende torná-la realidade "o quanto antes":
— Assim que possível. Num primeiro momento, talvez algo similar ao funcionamento da Pinacoteca Rubem Berta, com agendamento prévio e número reduzido de visitantes por vez, com uso de máscaras.
* Colaborou Guilherme Justino