Um dos menores e mais abastados bairros da Capital carrega a maior incidência de contaminação por coronavírus da cidade, conforme balanço da Vigilância em Saúde de Porto Alegre. O Jardim Europa, reduto de pouco menos de três mil pessoas e agraciado com parque, shoppings e imóveis de alto padrão, soma 22 casos confirmados de Covid-19. Em termos proporcionais, isso equivale a quase mil casos para cada 100 mil habitantes, bem acima do segundo colocado, o vizinho próximo Três Figueiras, com 590 casos por 100 mil habitantes.
Especialistas apontam quatro fatores que podem levar a região de apenas 0,76 quilômetro quadrado, duas vezes a dimensão do Parque da Redenção, a ter a pior taxa de contágio na cidade: perfil das habitações, que seguem o estilo condomínio-clube, proximidade a locais de aglomeração, perfil de renda dos moradores e um fator matemático que desfavorece sua posição no cálculo.
1. O perfil das habitações
Especialista em Espaço Urbano e Organização Territorial e professora do Curso de Geografia da Pucrs, Ana Soster explica que o Jardim Europa foi construído, a partir de 2006, com perfil de condomínios com infraestrutura de lazer completa. Majoritariamente, os imóveis novos eram apartamentos em torres, o que favorecia o contato entre as pessoas. Isso tornou o bairro relativamente populoso em sua área urbana, estendida pelo Parque Germânia.
— É válido supor que quando o Germânia foi fechado como forma de controlar a disseminação da doença, em março, muitas das famílias e dos amigos que frequentavam o parque continuaram se reunindo nas áreas comuns de seus condomínios. Ou seja, nesta hipótese, só mudou o local de transmissão — afirma Ana.
2. A proximidade de locais de aglomeração
Vizinho de dois shoppings, Iguatemi e Bourbon Country, o Jardim Europa está colado a pontos de aglomeração, complementa Luciano Goldani, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Com a reabertura das lojas não-essenciais nos shoppings em maio e também das praças de alimentação, a vizinhança recebeu de volta, a poucas quadras, um local fechado para passear, fazer compras e confraternizar, mesmo contra recomendações médicas.
— A maior parte das transmissões do coronavírus ocorre em locais fechados. Se as taxas de contágio estão elevadas em todos os bairros naquela região, os shoppings de tornam um terreno fértil para o vírus — afirma Goldani, lembrando que Chácara das Pedras, Boa Vista e Três Figueiras também estão na lista de maiores incidências da Covid-19.
3. A renda mais alta dos moradores
Professor da UFRGS, o sanitarista Dário Frederico Pasche, doutor em Saúde Coletiva, acrescenta que a renda alta característica da região é um dos fatores associados à transmissão do coronavírus em Porto Alegre. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio dos responsáveis pelos domicílios passava de 12 salários mínimos no Jardim Europa em 2010, dados consolidados mais recentes no Portal ObservaPOA, uma das referências em análise territorial na Capital.
Diferentemente do que ocorre no Nordeste do país e em São Paulo, na Capital gaúcha o vírus ainda flutua nas regiões mais abonadas, e apenas lentamente migra para as periferias. Isso também facilita o acesso a testes na rede privada.
— Nos primeiros 45 dias de transmissão na Capital foi muito forte esta ligação do coronavírus à condição social. São pessoas que viajam mais e trouxeram o vírus para o Estado. Agora, passados 90 dias, vimos que a transmissão comunitária nesses bairros permanece, o que pode ter a ver com negligência com as recomendações de distanciamento social e uso de máscara — analisa Pasche.
4. Quantidade menor de habitantes
O secretário-adjunto de Saúde de Porto Alegre, Natan Katz, aponta mais uma razão que coloca o Jardim Europa no topo da lista de maior incidência da Covid-19: a matemática. Em números gerais, o bairro tem quantidade semelhante de casos notificados em relação a seus vizinhos. Entretanto, como a população é menor, a divisão empurra o Jardim Europa para uma média mais alta por habitante.
— Ali não há um fenômeno diferente de outros bairros da região. Se pegarmos estes 22 casos, provavelmente são de cinco ou seis famílias que eventualmente tiveram um componente contaminado e que passou para os demais — pondera.
Outra hipótese considerada pelo secretário é que, pelo Jardim Europa ser um bairro mais abastado, os moradores podem fazer mais testes para identificar o coronavírus na rede privada, o que aumenta a quantidade de casos reunidos pela prefeitura.