
Depende, agora, da celeridade da Justiça o rumo da primeira parceria público-privada (PPP) de Porto Alegre. Na noite de terça-feira (19), o consórcio I.P. Sul, que havia sido desclassificado do processo, conseguiu um mandado de segurança paralisando a parceria até que um juiz se pronuncie. A prefeitura de Porto Alegre, que já se preparava para analisar a documentação do segundo colocado, agora trabalha em recurso na Justiça contra a decisão.
Embora a judicialização tenha dado fim aos planos do governo Nelson Marchezan de iniciar 2020 de contrato firmado e um plano de ação para a troca de 100 mil lâmpadas, as duas partes envolvidas no processo judicial — I.P. Sul e prefeitura — enfatizam que a briga na Justiça está dentro de uma "curva de normalidade", como classifica o advogado do consórcio, Rafael Maffini:
— Achamos os critérios para a desclassificação usados pela prefeitura surpreendentes. Mas não surpreende que tenha havido contestação de outro consórcio ao resultado do leilão e, agora, recurso na Justiça. Isso acontece toda hora em processos licitatórios, ainda mais com uma ferramenta nova como é o caso de uma PPP.
O consórcio argumenta ter comprovado capacidade de investimento de R$ 112 milhões (veja quadro), motivo pelo qual foi desclassificado do processo. A prefeitura, por sua vez, acredita que o entendimento da Justiça favorável à prefeitura seja rápido.
— Sobretudo, porque o consórcio teve uma série de oportunidades de apresentar comprovantes à Comissão de Licitação. Agora, há novos documentos anexados à peça judicial. Em respeito ao edital e aos concorrentes, tomamos a decisão correta — declara o procurado do município no caso, Carlos Eduardo da Silveira.
Entenda o caso
O que é uma PPP?
A parceria público-privada (PPP) é um instrumento que remunera um parceiro da iniciativa privada — uma empresa, ou um consórcio de empresas — para a realização de um serviço público. O poder público conta com o potencial de investimento do parceiro para eventuais obras e manutenção de um serviço. Em contrapartida, o parceiro ganha a segurança de um contrato multimilionário a longo prazo com um bom pagador.
Como ela se daria na iluminação pública de Porto Alegre?
Com auxílio do BNDES, a prefeitura promoveu um leilão às avessas para escolher um fornecedor pelo menor preço. Em agosto, oito consórcios de empresas apresentaram propostas para gerir a iluminação pública de Porto Alegre por 20 anos. A prefeitura pretendia gastar no máximo R$ 3,2 milhões mensais pelo serviço. Ao final do pregão, o consórcio de empresas vencedor, o I.P. Sul, ofereceu seus serviços por R$ 1,745 milhão por mês — em 20 anos, seriam gastos R$ 418,8 milhões. O segundo colocado, o consórcio POA Luz, havia oferecido R$ 1,795 milhão ao mês (R$ 430,8 milhões em 20 anos).
O que a PPP da Iluminação previa?
Além da troca de 100% da iluminação pública da cidade, o que corresponde a 100 mil pontos de iluminação, o consórcio teria a obrigação de instalar câmeras, sensores, centro de controle, dimerização (graduação da luminosidade das lâmpadas) e cinco tipos de iluminação específica para monumentos. Ao todo, seriam R$ 280 milhões em investimentos ao longo do tempo de contrato.
Por que o resultado foi contestado?
Quando um consórcio é escolhido vencedor, são abertos documentos para homologar ou não o resultado e, a partir daí, firmar contrato. Uma das obrigações é provar capacidade financeira para as obras previstas no contrato. Para isso, a prefeitura exigia a comprovação de R$ 112 milhões investidos pelas empresas do consórcio em obras pregressas, o que corresponde a 40% do que deve ser investido em Porto Alegre. Em um primeiro momento, a prefeitura aprovou a documentação da I.P. Sul. Porém, a partir de recurso do POA Luz, mudou de entendimento.
O que exatamente foi questionado?
O I.P. Sul apresentou, como forma de comprovação de investimento, cartas de crédito imobiliário em nome da empresa que seriam utilizados para aplicar em obras do Datacenter do Banco do Brasil e Caixa Federal, obra feita em Brasília entre 2011 e 2013. Segundo a prefeitura, somadas as duas cartas de crédito, o valor de R$ 112 milhões seria atingido. Porém, o POA Luz contestou as cartas de crédito como comprovantes. A prefeitura, então, consultou o Banco do Brasil para saber quanto foi investido pela empresa que faz parte do I.P Sul na obra e em que ano. O esclarecimento fez com que a prefeitura recalculasse os valores para fins de correção monetária. Assim, o I.P. Sul, foi desclassificado por não atingir a cifra determinada pelo edital.
Como está a situação atual?
O consórcio I.P. Sul, então, contestou a sua desclassificação na Justiça e conseguiu um mandado de segurança paralisando a PPP até que um juiz julgue o mérito. O consórcio questiona, principalmente, a aplicação da correção monetária como critério de desclassificação. Para o I.P Sul, o edital aceitaria cifras investidas não apenas na construção de obras, mas também na conservação e na manutenção de um empreendimento, como o seu caso no episódio do Datacenter. Nesse caso, mesmo recursos aportados após a finalização das obras poderiam ser considerados para fins de comprovação da capacidade financeira.
E o que acontece agora?
A procuradoria do Município trabalha para derrubar o recurso na Justiça. Se conseguir, segue o processo de análise da documentação do segundo colocado no pregão, o POA Luz. Se a Justiça acatar os argumentos do I.P. Sul, é ele quem deve fechar o contrato com a prefeitura. Considerando os trâmites da Justiça, é praticamente impossível que o contrato, com quer que seja, seja firmado antes de janeiro de 2020. A partir daí, são quatro meses até a elaboração de um plano para a troca de lâmpadas em Porto Alegre.
A PPP pode não sair?
Segundo a Secretaria de Parcerias Estratégicas, essa não é uma possibilidade, porque quatro consórcios se classificaram no pregão de agosto. O que pode acontecer, por influência da Justiça e/ou problemas na documentação dos consórcios envolvidos, é o processo atrasar ainda mais.