A lenda urbana de Porto Alegre que tem como mote luxúria, um serial killer e canibalismo pode inspirar a criação de um café no Centro Histórico de Porto Alegre. A psicóloga Miriam Arend Nilles, 60 anos, tem planos de abrir um estabelecimento temático dos crimes da Rua do Arvoredo na garagem da própria casa — que fica mais ou menos onde, um século e meio atrás, ocorreram assassinatos que chocaram a cidade.
A localização exata da casa de José Ramos, que ficou conhecido como "linguiceiro", é uma incógnita: a Rua do Arvoredo ganhou um traçado diferente desde então e passou a ser chamada de Fernando Machado. Reza a lenda que a companheira de Ramos, Catarina Palse, seduzia as vítimas para que ele as matasse. Dos corpos seria produzida a linguiça, vendida em um açougue da cidade. Isso faria dos porto-alegrenses canibais, sem que tivessem a menor ideia.
Miriam mora há mais de 30 anos na casa (construída em 1916, cinco décadas após os crimes) e, até pouco tempo atrás, nem havia ouvido falar dessa história.
— De uns anos para cá, a campainha começou a tocar bastante, em razão de pessoas perguntando se aqui era a casa do linguiceiro. Um dia veio um professor de teatro com uns 20 alunos.
Depois de pesquisar e, obviamente, surpreender-se com a história, o lado empreendedor aflorou. Com uma amiga, a também psicóloga Suzana Schmidt de Oliveira, teve a ideia do café temático, com mobiliário rústico, imagens antigas de Porto Alegre gravadas nas paredes e alusões à lenda no cardápio e na decoração.
— Sinto que os ventos estão soprando muito para dar guarida a essa história, porque isso está no imaginário popular. Então vamos falar nisso, mas vamos tomar um café também — propõe.
Os crimes da Rua do Arvoredo foram tema do programa Linha Direta, da Globo, de Histórias Extraordinárias, da RBS TV, inspirou filme, peças de teatro e livros. Algumas obras tentam esclarecer a verdadeira história por trás da lenda. Outras, escancaram as portas da imaginação. Autor do romance Canibais: Paixão e Morte na Rua do Arvoredo, David Coimbra conheceu o tema ainda criança através do avô, um sapateiro metido a contador de histórias.
— Tem de tudo que pode ter para uma boa história: é aterrorizante, mas, ao mesmo tempo, é fascinante.
Assassinatos realmente ocorreram no século 19 na Rua do Arvoredo. Mas o que realmente aconteceu e o que foi criado pelo imaginário popular não é tão fácil delimitar. O jornalista e escritor Rafael Guimaraens pesquisou o assunto para a publicação do livro "20 Relatos Insólitos de Porto Alegre". Ele afirma que existiu, de fato, um processo, e que José Ramos foi condenado e preso, mas em nenhum momento nesse julgamento se cogitou que eram feitas linguiças com a carne das vítimas.
— Ele matava as pessoas, retalhava e enterrava os pedaços no pátio da casa. Mas, embora esquartejados, os corpos estavam inteiros, não estava faltando nada que pudesse ser usado para fabricação de embutidos.
Diz, também, que Ramos não era açougueiro.
— Ele nunca foi açougueiro, mas tinha um amigo, na Rua do Arvoredo, mais perto da Ponte de Pedras, que era. Ramos matou esse homem, e daí começou a matar outras pessoas. Um crime puxa o outro: uma pessoa que o viu com o açougueiro, poderia ser uma testemunha, e ele acabou matando essa pessoa. Ele matava as pessoas para pegar os pertences e vender.
Miriam afirma que ainda não há data para abertura do café — é um projeto que deve ganhar corpo ao longo do ano que vem.
Mas um spoiler ela já dá: no cardápio, linguiça não deve faltar.