Há uma década, o engenheiro Daltro D'Arisbo mantém, em um amplo apartamento no bairro Menino Deus, prateleiras repletas de equipamentos que ressoam a história do rádio. São 200 relíquias conservadas — todas funcionando, garante —, adquiridas desde sua infância, quando nasceu a paixão pelo som.
— Meu pai era oficial de comunicações do Exército. Ele trazia peças pra casa e a gente consertava. E não é que o rádio falava? — relembra o engenheiro, hoje com 66 anos, sobre seu espanto quando garoto nos anos 1950.
Registrado no Ministério da Educação desde 2011, o Museu do Rádio em Porto Alegre é organizado em três ambientes: rádios nacionais, rádios fabricados fora do Brasil e um estúdio, com mesa de áudio, caixas de som e um microfone clássico da metade do século passado. O imóvel foi comprado exclusivamente para manter sua fortuna histórica.
— Eu tinha 150 rádios em casa e minha esposa disse que não dava mais. Ou saíam os rádios ou saía eu — conta, com orgulho de não ter perdido qualquer "soldado" na guerra que eclodia em casa.
De formato "capelinha", com o topo ondulado, aos tombstone (termo alusivo a uma lápide, na tradução do inglês), as esculturas de madeira carregam no design o estilo de cada época. Didático e visivelmente empolgado, o professor ministra uma aula sobre as origens de cada equipamento. A viagem no tempo encontra rádios construídos pela empresa de Guglielmo Marconi, considerado, ao lado do padre gaúcho Landell de Moura, um dos pais da radiodifusão.
— Marconi criou a primeira rede wireless, com o telégrafo sem fio — brinca, batendo na madeira ao imitar os sons dos códigos emitidos pelo invento do físico e inventor italiano.
No centro da "galeria internacional", um rádio se destaca. A "Monalisa" de D'Arisbo é um Homebrew, kit fabricado nos Estados Unidos na década de 1920. À época, explica o engenheiro, quem quisesse ter uma dessas unidades comprava as peças e as montava sobre a base que tivesse a melhor adaptação para o ambiente onde ficaria exposto.
— E funciona. Só tem que ligar uma bateria aqui e outro cabo ali... — e segue a explicação técnica, como um artista que pincela um quadro.
Ainda se pode conhecer no local vitrolas de mais de 80 anos, rádios da altura de uma estante e até mesmo uma unidade revestida por gesso.
O equipamento que iniciou a coleção veio da casa antiga de seus pais, no bairro Bom Fim. Um modelo retangular que lembra um painel veicular, fabricado pela norte-americana Hallicrafters que se manteve na família pela bravura do chefe da família.
— O verdureiro meteu o braço pela janela e levou o rádio. Desconfiado, meu pai colocou a farda, foi pra casa dele e pegou de volta. O verdureiro não falou nada, se entregando que era culpado.
Atualmente, quando viaja ao litoral com a família, comete uma heresia: acessa suas emissoras favoritas pela internet.
— Só rádios muito potentes pegam na praia. Infelizmente eu tenho que entrar nisso aí — revela, ao apontar para o celular.
Gratuitas, as visitas ao espaço são agendadas pelo site museudoradio.com, na aba contato.
Rádio no museu da Fifa
No início da década, um e-mail identificado como sendo da entidade máxima do futebol mundial quase foi deletado. Um dos organizadores do Museu do Futebol da Fifa, com sede em Zurique, na Suíça, o procurou após saber da existência de um rádio usado na transmissão da Copa do Mundo de 1938, a primeira com narração dos jogos para o Brasil.
— Eu achei que era um golpe, não parecia possível. Eles queriam um rádio que possivelmente pudesse ter sido usado na primeira copa transmitida em rádio para o Brasil. E é um modelo que eu tenho, um Cruzeiro, fabricado em São Paulo.
D'Arisbo negou-se a vender o rádio aos suíços. Pelo contrário, doou-o para ser exposto na Europa. Com um pedido:
— Pedi que tivesse a inscrição "doação do Museu do Rádio de Porto Alegre". Eu visitei e me emocionei: o rádio está lá, em uma sala só pra ele.
Destino incerto
Em casa, há uma extensão particular da coleção de rádios, com outros 20 exemplares.
— Acordo e, quando acendo a luz do banheiro, o rádio liga junto. Adaptei o interruptor — explica o engenheiro.
Reclamando do alto custo de manutenção — o museu não recebe verba pública —, D'Arisbo demonstra preocupação ao falar do futuro dos seus equipamentos a válvula.
— Pago condomínio e faxina pra não pegar poeira, que é inimiga dos equipamentos. É tudo muito caro, e faço por paixão, mas não sei por quanto tempo mais. O museu pode desaparecer, por isso quero doar a instituições sérias que perpetuem essa memória — lamenta.
A dedicação necessária para manter o espaço organizado também pesa na decisão que vem sendo planejada. Já há conversas com um museu de Veranópolis, na Serra, que deve herdar uma parcela dos transmissores.
— Está tudo catalogado. Tenho 60 já escolhidos e vou mandar para a casa de cultura Frei Rovílio Costa. Preciso deixar isso para alguém — afirma, ao citar que os filhos, de 18 e 24 anos, têm amor semelhante aos rádios, mas "têm que tocar suas vidas", ao justificar que não devem dar continuidade ao trabalho do pai.
Mesmo com a intenção de fechar o museu, o aficionado pela transmissão de ondas radiofônicas diz já ter negado várias ofertas pelo seu acervo.
— Pela internet o pessoal procura muito, quer comprar, mas eu não vendo, não adianta. Tudo que tem preço não é caro. O que é muito caro não tem preço, como o amor — finaliza o apaixonado rádio-ouvinte.