A reintegração de posse de parte da Vila Mato Sampaio, no bairro Bom Jesus, ganhou novos capítulos. Depois da mobilização da comunidade da zona leste de Porto Alegre, a Câmara de Vereadores promoveu uma reunião na manhã desta terça-feira (3) para discutir alternativas à demolição de 56 casas que estão em uma área pública.
E na tarde desta quarta (4), um requerimento pedindo a reconsideração da decisão liminar será encaminhado por parlamentares à presidência do Tribunal de Justiça (TJ) e à 7ª vara da Fazenda do Foro Central de Porto Alegre — onde o pedido de reintegração de posse feito pelo município foi julgado. Além disso, o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS) também enviou um ofício à 7ª vara da Fazenda sugerindo que seja suspensa a ação.
A área que pode ser desocupada consta no plano diretor como um espaço para implementação de uma praça e abertura de uma rua. As duas obras seriam feitas como contrapartida à construção de um empreendimento imobiliário na região. O caso foi foi tema de reportagem do Diário Gaúcho na segunda-feira, mesmo dia em que vereadores usaram a tribuna para falar do tema. Na ocasião, o parlamentar Marcelo Sgarbossa (PT) encaminhou o pedido para a reunião realizada na manhã de terça.
Neste encontro, estiveram presentes membros de três comissões da Casa: Habitação (Cuthab), Finanças e Orçamento (Cefor), e Saúde e Meio Ambiente (Cosmam), além de cerca de outros 10 vereadores. O consenso entre os parlamentares é que a conduta adotada pela prefeitura, de não prestar nenhuma assistência aos moradores que serão retirados da área, não é a melhor opção. O Executivo não encaminhou representantes ao encontro. Segundo a assessoria da Procuradoria-Geral do Município (PGM), o órgão não recebeu convite da Câmara.
Cenários
No encontro desta terça, os parlamentares traçaram três possibilidades para o impasse entre a comunidade do Mato Sampaio e a prefeitura. A primeira, e mais aceita, é uma reunião extraordinária entre comissões do Legislativo e os órgãos do Executivo envolvidos no caso, como a PGM e o Departamento Municipal de Habitação (Demhab). Segundo o vereador Sgarbossa, a discussão deve ser realizada na quinta-feira (5).
— Uma coisa é transferir as pessoas de lugar, outra é tirar sem ter para onde levar. A prefeitura tem que se explicar sobre essa situação — aponta.
A segunda possibilidade foi apresentada pelo vereador André Carús (MDB), presidente da Cosmam e membro da base governista na Câmara. Carús encaminhará uma agenda direta com a titular da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte (Smdse), Nádia Gerhard.
— É preciso prevalecer o bom senso. A ocupação é antiga, aquelas pessoas estão lá há muitos anos, não têm para onde ir. Vamos sugerir que o empreendedor e a prefeitura construam uma alternativa para a reintegração — cita Carús.
A terceira instância sugerida, e a menos provável até o momento, seria propor um projeto de lei que possibilitasse alterar o gravame do plano diretor para a região a ser desocupada. Ou seja, não destinar mais a área para construção de uma praça e abertura de uma rua.
— É uma possibilidade que demanda mais tempo. Em última instância, é uma opção — explica o vereador petista.
O requerimento que será encaminhado hoje ao TJ e à 7ª vara da Fazenda foi assinado pelos vereadores Doutor Goulart (PTB) e Roberto Robaina (PSOL), respectivamente, presidente e vice-presidente da Cuthab, André Carús, presidente da Cosman, e Airto Ferronato (PSB), presidente da Cefor.
Até o fim da tarde desta terça, a PGM afirmou ainda não ter sido convocada para reunião da quinta-feira. Por enquanto, o órgão afirmou que a prefeitura segue com o posicionamento de que a decisão da reintegração de posse é irreversível e poderá ser cumprida a qualquer momento depois do dia 10 de setembro.
Ofício também será encaminhado ao prefeito
Segundo o presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS), Paulo César Carbonari, "o conselho tem por função preservar e proteger os direitos humanos, onde se inclui o direito à moradia, expressão na Constituição". Paulo explica que, diante da situação que se desenha no bairro Bom Jesus, o órgão resolveu encaminhar ofício à Vara da Fazenda, sugerindo a suspensão do processo de reintegração.
— Estamos alertando os juízes para que eles se atentem a isso (falta de alternativa para alocação dos moradores que sairão da área). Claro, sem interferir na independência do Judiciário, mas alertando os agentes para que entendam a situação dos moradores. Já tivemos casos em que a reintegração foi suspensa e os moradores foram chamados para uma reconciliação — explica Paulo.
No ofício encaminhado à Justiça, o CEDH-RS sugere a suspensão do processo como modo de "garantir a salvaguarda dos direitos humanos das famílias atingidas pela ordem de despejo, em nome das garantias dos direitos humanos fundamentais das mulheres, crianças e idosos que se encontram no local".
Conforme o presidente do conselho estadual, o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, também receberá um ofício relacionado ao caso, com a mesma indicação.