Sob o sol forte de perto do meio-dia, o barulho de vidros quebrando, concreto tombando no chão e uma nuvem de poeira que subia de tempos em tempos, integrantes e apoiadores da Ocupação Baronesa assistiam, nesta quinta-feira (18), à demolição do prédio no bairro Menino Deus onde o grupo morou por pouco mais de dois meses. A Procuradoria-Geral do Município (PGM) ajuizou uma ação de reintegração de posse e, em 7 de junho, o grupo foi retirado do local. De acordo com a prefeitura de Porto Alegre, proprietária da construção, o teto e as estruturas internas apresentavam risco de desabamento, por isso ela precisava ser demolida.
— Limpei esse terreno quase todo... — suspirava Fábio Polycarpo, 39 anos, ao olhar os escombros que, por volta das 10h30min, avolumavam-se no pátio da construção.
O vigia conta que foi dos primeiros a ingressar no prédio à esquina das ruas Baroneza do Gravataí e Dezessete de Junho, no dia 28 de março. Ele ajudou a preparar o terreno do prédio abandonado para que as famílias se instalassem no local. Aderiu ao movimento, segundo diz, depois de ser despejado do imóvel em que vivia na Rua Professor Freitas e Castro. Foi dos que acampou em frente ao local depois do fim da ocupação.
Ao todo, cerca de 10 famílias ocuparam o local até a reintegração de posse. Na semana passada, quando GaúchaZH esteve na construção, três famílias seguiam vivendo no endereço, acampadas na calçada. Na manhã desta quinta-feira, parte dos pertences que ainda mantinham foi levada pela prefeitura, enquanto o restante foi recolhido por apoiadores da ocupação.
A prefeitura diz ter oferecido serviços da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e auxílio moradia para os ocupantes. Três famílias já estariam em residências alugadas, segundo o Executivo, e outra deve ir para uma casa no próximo mês. Três não teriam solicitado o auxílio.
Segundo Polycarpo, que se inscreveu para o benefício, a ideia de parte do grupo é permanecer acampado no local.
— Queremos um espaço para fazer moradia definitiva para as famílias — diz o ex-morador.
Pelo menos outros dois integrantes da ocupação e diversos apoiadores, além de moradores do entorno, acompanharam demolição do prédio público, que teve início por volta das 8h e se estendeu até o começo da tarde. Várias pessoas filmaram a operação, feita com uma retroescavadeira que acessou o pátio da construção pela Rua Dezessete de Junho.
Advogada da ocupação, Clarice Zanini disse ter sido pega de surpresa pela demolição que, segundo ela, não foi informada no processo de reintegração de posse.
— Ninguém sabia o que ia acontecer, porque a demolição não foi informada no processo, e a contestação ainda não foi analisada. A prefeitura está atropelando tudo porque sabe que, se destrói o patrimônio, o processo perde o sentido — disse.
Ainda conforme a advogada, a contestação da reintegração de posse, que teria um laudo técnico indicando que a construção não oferece riscos estruturais, ainda não havia sido analisada pela Justiça. O grupo aguardava por uma perícia na área. A PGM diz que a demolição não foi informada porque "não é objeto do processo".
Em nota enviada à imprensa, a Procuradoria-Geral do Município disse que uma vistoria realizada por técnicos da secretaria da Infraestrutura e Mobilidade e pela Defesa Civil em 1º de julho apontou que "o teto do prédio e as estruturas internas apresentam risco de desabamento", e que a queda de telhas sobre a calçada havia colocado em risco a segurança dos pedestres. A recomendação dos técnicos do Município foi a demolição dos imóveis, cercamento do terreno e indicação para permuta da áreas. O imóvel, que anteriormente havia sido cedido à Brigada Militar, sofreu um incêndio em março deste ano, três dias antes de ser ocupado.
Cinco integrantes da Ronda Ostensiva da Guarda Municipal (Romu) e dois brigadianos acompanharam a demolição, enquanto agentes da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) orientavam o trânsito no trecho bloqueado — a liberação deve ocorrer até o fim da tarde.
Entenda o caso
- No dia 28 de março, 10 famílias ingressaram no imóvel desocupado à esquina das ruas Baroneza do Gravataí e 17 de Junho. O grupo se autodenominou Ocupação Baronesa.
- Em maio, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) ingressou com uma ação de reintegração de posse para retirar as famílias. Segundo a PGM, o local era "impróprio" para moradia. No mesmo mês, o Dmae interrompeu o fornecimento de água no edifício.
- Prevista, inicialmente, para ocorrer em 29 de maio, a desocupação foi adiada por duas vezes: primeiro, para o dia 4 de junho, e depois para o dia 7, quando ocorreu de fato.
- Após a desocupação, a prefeitura ofereceu levar mulheres e crianças para um local, e os homens para outro. Parte das famílias recusou a oferta, e montou acampamento no local. No mesmo dia, a secretária de Desenvolvimento Social, Comandante Nádia, disse que o prédio seria demolido.
- Segundo a prefeitura, três famílias que aceitaram receber auxílio moradia estão em imóveis alugados. Outras quatro estariam aguardando pelo benefício e três delas teriam recusado o auxílio.
- Em 11 de julho, GaúchaZH esteve no local e constatou que, mais de um mês após a desocupação, três famílias seguiam vivendo no endereço, acampadas.
- Em 18 de julho, a prefeitura desmanchou o acampamento e efetuou a demolição da construção.