Em 2018, 61 motoristas de carros particulares foram flagrados realizando transporte escolar clandestino — número 85% maior do que no ano anterior. De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), que fez o levantamento, essa mudança tem ocorrido nos últimos três anos e coincide com a chegada do transporte por aplicativo na Capital.
Em um dos casos flagrados, havia sete crianças dentro de um carro com quatro lugares para passageiros, além do banco do motorista.
Segundo a EPTC, alguns motoristas eram vinculados a empresas de aplicativos. No entanto, no momento do flagrante, não estavam utilizando a plataforma. Para a empresa pública, os condutores estariam se aproveitando do serviço para fazer acordos com usuários de aplicativo e então realizar o transporte escolar clandestino. Outros condutores teriam comprado veículos para transportar estudantes sem nenhum tipo de regulamentação.
Os 61 motoristas foram flagrados mais de uma vez. Em todas as fiscalizações, estavam levando os mesmos passageiros, pelo mesmo trajeto (entre residência e escolas) e ainda no mesmo horário.
Na maioria dos casos, agentes da EPTC constataram a falta de segurança nos veículos.
— Nesse tipo de transporte, a segurança fica completamente de lado. Nosso acompanhamento prévio, em todos os dias do levantamento, em nenhum caso teve o uso da cadeirinha como forma de proteção a essas crianças que estavam sendo transportadas — ressalta o gerente de fiscalização de transporte da EPTC, Luciano Souto.
O que diz a lei
A comprovação do transporte clandestino infringe o artigo 22 da lei municipal 8.133, de 12 de janeiro de 1998, que prevê apreensão do veículo e multa de R$ 8.340,00. Além disso, pelo art. 168 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), “transportar crianças em veículo automotor sem observância das normas de segurança estabelecidas, é ilegal”, considerado falta gravíssima, com sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e multa de R$ 293,47. Somadas, as multas chegam a R$ 8633,47.
EPTC quer ampliar fiscalização
Souto conta que objetivo neste ano é ampliar as operações de fiscalização e fazer com que as pessoas se conscientizem sobre essa irregularidade.
— Não é ilegal fazer o transporte para a escola em um veículo de aplicativo ou por um pai ou responsável que leve colegas do filho junto, desde que as normas, como cinto e cadeirinha, estejam adequadas à legislação. Mas o problema é que há motoristas particulares fazendo viagens por fora e nós investigamos todos os casos — destaca.
De acordo com o gerente de fiscalização de transporte da EPTC, um motorista foi flagrado pela equipe da EPTC pelo menos cinco vezes realizando transporte escolar.
— Isso não pode (ocorrer), até porque se um pai pedir aplicativos por vários dias para o filho ir até a escola, a chance de repetir o mesmo motorista é rara e motorista particular, não de aplicativo, precisa de regulamentação e veículo específico.
Souto alerta ainda que profissionais das empresas que não cadastram a viagem no aplicativo estão indo contra a legislação municipal.
Contra o transporte irregular
Moradora de Porto Alegre, Lourdes Teixeira, de 69 anos, tem dois netos. Ela é contra transportá-los através de veículos de aplicativo ou particulares — que não sejam vans — para a escola.
— Eu não deixo os meus netos pequenos, não autorizo a levá-los em aplicativos sem a presença de um adulto junto.
Para ela, o risco de acidente é maior.
— Imagina se dá um acidente? Quem vai tomar conta das crianças? Ou se fura um pneu e o motorista tem que descer e ficam duas ou três crianças dentro? — questiona a aposentada.
Lourdes faz questão de ressaltar que transporte de crianças para escola precisa ser feito sempre com o acompanhamento de adultos.
— E às vezes quem está esperando no colégio pode ter dado um azar, ter chegado atrasado. Não, crianças têm que ser sempre acompanhada dos pais, dos avós, de alguém muito responsável para tomar conta.
A favor do transporte
Uma mãe, que pediu para não ser identificada, costuma chamar o mesmo motorista, que conheceu por aplicativo, para os filhos irem para o colégio e não vê problema nesse transporte.
— Eu uso transporte por aplicativo para levar o meu filho para a escola, porque eu acho mais viável para mim. Foi o jeito que eu achei para me organizar melhor.
Ela explica que adotou a prática de chamar motorista fora da plataforma dos aplicativos, porque assim já conhece a pessoa e estabelece uma confiança. Mesmo sabendo que esse tipo de transporte é proibido, diz que pretende seguir com a mesma rotina.
— Até sei que existem regras sobre isso, mas, pra mim, para minha organização pessoal e da minha família, eu acho mais prático e menos oneroso. Para mim, esse serviço está sendo bem bom. Eu gosto - diz a mulher.
O que dizem os especialistas
O sociólogo e especialista em segurança viária Eduardo Biavati contemporiza sobre os riscos do transporte escolar clandestino por motoristas de aplicativo ou por terceiros.
— É um transporte irregular. A gente tem que lembrar sempre que o motorista de aplicativo, ele não é um taxista, ele é um motorista. É uma situação muito diferente. Eu não tenho uma opinião contrária, a princípio. Mas vai sobrar para os pais cuidarem dos filhos nas viagens - explica Biavati.
Assim como o especialista, a diretora institucional do Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran-RS), Diza Gonzaga, destaca a necessidade de cuidados pelos pais.
- Primeiro temos que deixar claro que a escolha do transporte é dos pais ou responsáveis pelas crianças e adolescentes. Seja táxi, aplicativo, motorista particular, vans e até mesmo uma tia ou parente da família. Isso não significa que é transporte irregular. O que precisamos é ter o cuidado para que transporte seja seguro, com pessoas habilitadas e pessoas de confiança - destaca Diza.
Doutora em segurança viária e professora do Laboratório de Sistemas de Transportes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Christine Tessele Nodari ressalta a importância de utilização de veículos regulamentados justamente devido à fiscalização e normas de segurança.
O diretor-científico da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) e especialista em Medicina de Tráfego e Acidentes, Ricardo Hegele, explica que questão discutida se refere mais à legislação do que à segurança.
— Independente que seja por aplicativo, por motorista contratado, por quem seja. Não há diferença científica e nem estatística na questão de aumento ou diminuição dos acidentes. Não se entra nesse ponto na questão de acidentalidade. É muito mais uma questão legal do que risco de acidente - explica Hegele.
O que dizem as empresas de aplicativo
Uber
Todas as viagens da Uber necessariamente só podem ser realizadas por meio do aplicativo, onde o usuário solicita um carro ao toque de um botão e recebe, via app, informações do motorista parceiro que vai buscá-lo, como nome, foto, além de modelo, cor e placa do veículo. Qualquer viagem fora desses padrões não é uma viagem de Uber e não possui os recursos de segurança proporcionados pelo aplicativo, inclusive o seguro de acidentes pessoais oferecido em todas as viagens.
Cabify
A Cabify não está de acordo com a prática de transporte escolar por meio de sua plataforma e esclarece, em seu Termo e Condições de Uso, que os passageiros menores de 18 anos não podem utilizar a conta de terceiros nem receber serviços de transportes privado, a menos que estejam acompanhados pelo usuário titular da conta, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente. A empresa conta ainda com recursos de segurança específicos para o transporte de crianças, que podem ser solicitados pelo usuário com antecedência em viagens agendadas pela plataforma. A empresa reforça que os motoristas parceiros devem respeitar a legislação e também oferece sessões informativas para os profissionais da plataforma, com dicas de segurança, atendimento, qualidade e sobre questões técnicas e tecnológicas.
99
A 99 recomenda aos usuários que não adotem a prática de fazer corridas fora da plataforma, pois eles não contarão com as funcionalidades de segurança que a plataforma oferece. Além disso, a 99 esclarece que para usar o aplicativo, o passageiro deve ter capacidade civil, ou seja, ter no mínimo 18 anos. O perfil do usuário é exclusivo e intransferível, não sendo permitido o cadastrado ou pedido de corridas em nome de outra pessoa. A tecnologia da plataforma não permite que tenham rotinas fixas de dias e horários pré-programados para solicitar as corridas. A 99 reforça que o não cumprimento dos Termos de Uso do aplicativo pode resultar na suspensão do cadastro dos usuários, motoristas ou passageiros.