Com a falta de informações sobre a extensão e a gravidade da contaminação do solo por cromo VI, um metal pesado, moradores do bairro Niterói, em Canoas, começam a contratar testes particulares para verificar a qualidade das suas hortas e pomares. O policial federal aposentado Paulo Marques, 59 anos, chamou uma empresa especializada de Porto Alegre em análises ambientais para verificar a qualidade dos alimentos que cultiva em seu terreno. Ele mora a uma quadra de distância da empresa de cromagem suspeita de ser a responsável pela contaminação. O cromo VI, quando em alta concentração na água, é cancerígeno.
Paulo sempre viveu no bairro Niterói e há quatro anos comprou um terreno de olho no pomar de árvores frutíferas. A mudança de endereço nutriu a paixão da esposa Claudete, 58 anos, por cuidar da vegetação.
– Esse quintal muito bem conservado nos atraiu. Tinha 12 tipos de uvas diferentes. E uma bergamoteira com mais de 50 anos. Logo quando nos mudamos para cá, tentei colocar um poço artesiano, mas a água se mostrou muito fétida e desistimos. Ainda bem – lembra Paulo.
Desde que a prefeitura emitiu uma nota de alerta, há 10 dias, afirmando que "o lençol freático e o solo de parte da comunidade estão severamente contaminados", a família não consumiu mais nada do que cultiva no terreno.
– Como moramos perto de empresas de cromagem, sabíamos que isso tinha algum risco, mas imaginávamos que, se fosse algo perigoso, alguém já teria feito alguma coisa – comenta Paulo.
Até agora, não se sabe a extensão da contaminação e há quanto tempo a poluição ocorre. Por ora, a prefeitura delimitou como perímetro de risco o quadrante que começa na BR-116 (Avenida Guilherme Schell) até Rua Fernando Ferrari e entre a Rua Minas Gerais e a Rua Alegrete.
A empresa suspeita pagará as custas do estudo que deve ser concluído entre janeiro e fevereiro. A análise mostrará a extensão da contaminação e há quanto tempo ela ocorre. O Ministério Público de Canoas, através do promotor Felipe Teixeira Neto, abriu um inquérito civil para investigar o caso.
Enquanto o poder público não divulga informações mais precisas, os moradores não querem ficar sem respostas. A empresa contratada por Paulo fez a coleta de oito frutas e verduras como uva, jabuticaba, bergamota, pitanga, pêssego, graviola e couve. O resultado da análise deve ficar pronto na próxima semana.
– Isso vai mostrar a incidência de todos os elementos químicos nas frutas, inclusive o cromo. É para nossa tranquilidade – afirma o policial aposentado.
Paulo explica que o teste, porém, não deve ser conclusivo, já que a classificação de subdivisões do cromo dependeria de uma análise mais aprofundada, levando em conta uma avaliação molecular. Professor do curso de Engenharia Química da PUCRS, Claudio Frankenberg elogia a iniciativa do morador, mas ressalta que a análise não é simples devido à falta de padrões de comparação de quantidade de cromo nas frutas. O teste é mais simples, por exemplo, na água, onde há mais padrões de comparação.
– Existe uma quantidade natural de cromo na fruta. Não vai se conseguir ver no detalhe, mas vai ser possível ter uma percepção de se realmente há um excesso de cromo na fruta ou é uma quantidade natural.
"Nossa carência é de informação confiável"
Segundo Paulo, o sentimento é de medo e apreensão entre vizinhos, que também começam a demostrar interesse em contratar análises ambientais particulares. Paulo argumenta que foi a falta de informação qualificada sobre a proporção da contaminação que o fez contratar o próprio teste.
– Somos interessados direto nisso, estamos expostos continuamente com essa ameaça. Pedi até uma qualificação da água da Corsan, por desencargo de consciência. Nossa carência é de informação confiável, algo que nem a prefeitura tem. Para nós, o principal não é punir a empresa, mas saber quanto a nossa saúde foi exposta a esse metal. É essa a informação que todos querem saber, ter uma noção da extensão do estrago.
Caso a análise apresente algum excesso do metal em alguma planta, Paulo pedirá análises mais detalhadas. Além da ameaça à saúde, ele teme pela desvalorização do imóvel:
– É um bairro que era nosso sonho de consumo como qualidade de vida, agora temos uma ameaça invisível e ao mesmo tempo presente. É desalentador. O prejuízo econômico é inegável, mas o prejuízo da saúde estamos tentando mensurar.
Área de risco:
- O quadrante que começa na BR-116 (Avenida Guilherme Schell) até Rua Fernando Ferrari e entre a Rua Minas Gerais e a Rua Alegrete.
Recomendações:
- População não consuma água de poços artesianos localizados no perímetro identificado como de risco.
- Não se ter contato com o solo da área afetada.
- Não é recomendado cultivar vegetais e árvores frutíferas na área.
- Animais consumam a vegetação localizada na área afetada.
- A contaminação atinge apenas a água subterrânea, ou seja, a água encanada, da Corsan, está apta para consumo