Na tarde seguinte ao incêndio que matou três homens e uma mulher não identificados por volta das 3h de quinta-feira (29) em uma pensão na parte mais degradada do centro histórico de Porto Alegre, no encontro da Garibaldi com a Voluntários da Pátria, o movimento era intenso. Bem como o falatório. Enquanto um grupo agia rápido em meio ao forte mau-cheiro para ensacar e remover a sucata espalhada no andar térreo, debaixo de onde o fogo consumiu os quartos, dois recicladores especulavam:
— Isso aí alguém tacou fogo e fechou a porta. Pode apostar.
— Que nada. Isso aí foi algum louco da pedra (crack) que dormiu com o cachimbo aceso.
A aposta da Polícia Civil — que admite ainda ter poucos subsídios para algo além de uma suposição — é para uma explosão causada por um curto-circuito em ligações irregulares de energia elétrica.
— Um dos fatores que dificulta a investigação é que absolutamente tudo ali, naqueles imóveis, costuma ser irregular. A ligação de luz é irregular. A exploração dos aluguéis era irregular. As atividades que eles realizavam nos quartos poderia ser irregular. Então, é natural que, quando ocorre alguma coisa dessa proporção, as pessoas do entorno desapareçam por um tempo — prevê a delegada Sabrina Teixeira, respondendo pela 17ª Delegacia da Polícia Civil no lugar do titular, que está de férias.
Conforme a prefeitura, o imóvel tinha alvarás emitidos em 2011 e 2012 apenas para comércio de papéis, papelão, embalagens, plásticos e para escritório, não para atividade hoteleira. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams) esteve no local e pretende notificar o proprietário para que apresente laudo de estabilidade estrutural do prédio.
Mas até a notificação pode a ser difícil, tendo em vista que os prédios de estilo neoclássico da região são inventariados e de responsabilidade muitas vezes dividida em espólios entre herdeiros. O que, conforme a Polícia Civil, abre caminho para exploração informal por terceiros e para o depósito de mercadorias ilegais. A própria pensão incendiada foi alvo de mandados de busca e apreensão em pelo menos duas operações policiais recentes contra o tráfico, de agosto de 2017 e junho de 2018.
Sobre as vítimas, também se sabe pouco até que o Instituto-Geral de Perícias (IGP) conclua a análise dos quatro corpos carbonizados. Segundo um homem que atuava como porteiro, interrogado pela polícia logo depois do incêndio, a pensão tinha 12 quartos e cobrava diárias entre R$ 10 e R$ 20 para quartos de solteiro e de casal. Todos estavam ocupados na noite trágica, mas não havia qualquer tipo de controle da identificação dos inquilinos. Aos policiais, o porteiro disse desconhecer quem recebia os pagamentos e quem explorava o prédio.
Comerciantes em torno do prédio relatavam conhecer, com algum grau de segurança, apenas uma das vítimas e sem o nome de batismo. Identificada pelo apelido de "Japa", a mulher aparentava mais de 35 anos e fazia limpeza na pensão irregular. Era conhecida na região por dois motivos: por estar constantemente tentando revender quinquilharias de procedência desconhecida e por emendar uma gravidez na outra, mas nunca estar acompanhada dos bebês. Ela estaria grávida atualmente. A segurança de que ela está entre as vítimas vem de relatos semelhantes ao de um atendente de um bar vizinho, que presenciou a debandada do prédio quando as chamas começaram:
— Ela estava na calçada com os demais, mas quando ela não viu o companheiro por perto, disse que ia voltar pra buscar ele. Entrou no prédio e não voltou mais. Em seguida, os bombeiros chegaram.
Sobre os demais, nada se sabe. Vizinhos citam nomes de pessoas de quem deram falta no dia seguinte, mas não sabem afirmar se foram elas ou não as vítimas do fogo que consumiu metade da pensão em poucos minutos.
A velocidade das chamas não impressiona os policiais. Eles observam que, detrás das fachadas de alvenaria, todas as estruturas do prédio são de madeira, incluindo a divisórias entre os quartos e o piso entre os dois andares. Graças aos bombeiros, as chamas não chegaram à metade direita do prédio, onde o contato com material de reciclagem, no térreo, seria potencialmente mais perigoso. A metade esquerda, isolada pela perícia, ficou em destroços do telhado às paredes sobre o piso enegrecido. Entre os poucos objetos ilesos, restou um extintor de incêndio.