A morte de uma cadela da raça yorkshire por um cão da raça pitbull ocorrida no dia 4 no Parque Germânia, zona norte de Porto Alegre, reabriu o debate sobre a responsabilidade dos donos e do poder público em episódios envolvendo raças perigosas. Regulamentação não falta, porém as leis não são claras quanto a responsabilidade pela fiscalização dos animais de estimação.
Localizado na Zona Norte, o Germânia é um dos parques mais procurados por pessoas com pets em Porto Alegre. Há placas lembrando que o dono precisa recolher o cocô dos animais e que o uso da guia é obrigatório fora do cachorródromo – o que muitas vezes não é respeitado –, mas a reportagem não localizou sinalização que faça referência ao uso de focinheira. A grade do cachorródromo tem 1m50cm de altura.
O bancário Thiago Gomes, 33 anos, passeou na manhã da sexta-feira passada (5) com suas duas yorkshires pelo parque. Haviam lido a notícia da morte do cachorro da mesma raça no dia anterior, e lembraram disso quando chegaram ao local.
— Isso chocou um pouco, ainda mais porque um dos nossos cachorros é igual ao que morreu. A gente sempre tem que estar cuidando — diz ele, segurando Atena e Meg na guia.
Mariana Vicari, 19 anos, levou o vira-lata Luke para o cachorródromo, como faz com frequência. Diz que é muito comum ver pitbull no parque, com e também sem focinheira.
— A culpa nunca é do cachorro, é do dono. Tudo depende da forma como o cachorro é treinado — opina a estudante, que comentou também a importância do uso de uma focinheira resistente em raças como pitbull: — Isso tudo podia ter sido evitado.
Lei regulamenta cuidados, mas não prevê sanções
Conforme a advogada Isabel Cristina Porto Borjes, professora de Direito Cível na Unisinos, há um erro anterior ao uso da guia ou do enforcador: cães como o pitbull são proibidos em praças, jardins e parques públicos. É o que preveem as legislações municipal, estadual e federal, destaca ela.
No Rio Grande do Sul, lei de 2005 determina também que american pit bull terrier, fila, rottweiler, dobermann, bull terrier, dogo argentino e "demais raças afins" só podem em logradouros públicos ou vias de circulação interna de condomínios conduzidos por pessoas capazes, com guia curta de no máximo 1m50cm, enforcador de aço e focinheira.
— Eles não podem estar em um cachorródromo, já que se trata de uma área localizada dentro de parques, além de destinada a cachorros dóceis. E o dono tem que ter a consciência de que são ferozes. Alegar que não mordem e que não atacam não isenta o proprietário da obrigação de colocar a focinheira, o enforcador de aço e a guia adequada. As vítimas podem ser animais, como no caso, e pessoas que por ali circulam – diz Isabel.
A lei estadual foi regulamentada em 2007, mas o decreto não definiu sanções, nem como seriam aplicadas. Também não fica claro quem deveria responder pela fiscalização: "A fiscalização do cumprimento deste Decreto será realizada pelos órgãos públicos competentes de segurança pública" é o que grafa o decreto.
Normalmente, casos como esse acabam parando na Justiça. Os donos dos cachorros feridos ou mortos podem pedir indenização por danos materiais (relatando gastos como veterinário após o ataque) e danos morais, porque a perda de um animal de estimação abala a integridade psicológica das pessoas. Isabel ressalta que, quando leva o cachorro de raças como pitbull a espaços públicos, o dono assume o risco, e já existem decisões dos tribunais – relata que os pagamentos variam de aproximadamente R$ 2 mil até R$ 40 mil.
— Hoje os tribunais entendem o cachorro como membro da família — acrescenta a professora.
No aspecto criminal, a Lei das Contravenções Penais diz, no artigo 31, que "deixar em liberdade, confiar à guarda de pessoa inexperiente, ou não guardar com a devida cautela animal perigoso" pode resultar em pena de 10 dias a dois meses de reclusão ou multa. Mas de tão antigo o texto, a penalidade é descrita em réis, moeda substituída ainda na década de 1940. Isabel atesta que não são comuns casos de ataque entre cachorros na esfera criminal.
Para a professora, além da responsabilidade do dono, também poderá haver a dos municípios, pela falta de fiscalização das praças e parques públicos. Procurada por GaúchaZH, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade respondeu que "diversas placas estão espalhadas pelo Parque Germânia falando da importância de todo o animal que circule no parque esteja na guia e do recolhimento dos seus dejetos". Ainda conforme o texto, "equipes trabalham dialogando com a população com educação ambiental, solicitando sempre que haja a condução responsável com o animal em guia". A secretaria relatou ter vistoriado o parque nesta sexta-feira (5) e prometeu intensificar as ações de educação ambiental.
Perfil da raça pitbull
A raça divide opiniões e, por causa de ataques como o da última quinta, desperta medo. Criado para auxiliar na caça, trabalhar com animais no campo e, até mesmo, ser cão de companhia, pitbulls não são a melhor opção para quem procura cães de guarda. A raça é fruto do cruzamento das raças bulldog e terrier.
Para raças mais agressivas, a socialização e o treinamento são peças-chave para o bom convívio do bicho com pessoas e outros animais.
Cuidados
- Desde pequeno, o cão deve ter contato com outros animais e pessoas. O convívio com a família é importante.
- Mesmo que não demonstrem agressividade, o uso de coleiras e focinheira é indispensável.
- É necessário que o cachorro ganhe carinho dos donos e de estranhos.
- Sempre que apresentar comportamento agressivo, o animal deve ser repreendido adequadamente.
- Procure um especialista e não deixe qualquer pessoa treinar o animal.
- Evite mantê-lo sempre amarrado em um espaço pequeno. Cães criados em corrente ficam mais agressivos e não sabem se comportar.
- Todos os animais, principalmente os de porte grande, precisam se exercitar diariamente.
- Ao chegar em casa, principalmente à noite, chame o cachorro pelo nome de deixe que ele sinta seu cheiro.