O caminho é difícil, mas, aos poucos, o mercado de trabalho se abre para o público trans. Desde o começo do ano, cerca de 50 transexuais e travestis começaram a trabalhar com carteira assinada em Porto Alegre após participarem de um programa de vagas exclusivo para esse público.
Em janeiro, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte passou a destinar, no Sine Municipal, vagas exclusivas para pessoas trans. Uma delas foi a transexual Bruna Castro — aos 27 anos, conseguiu emprego em uma farmácia da Capital. Antes, não havia tido chances, a não ser na prostituição.
— O sonho de qualquer um é trabalhar, só que não há muitas oportunidades para trans. A gente acaba procurando a rua e a prostituição. Garanto que quase nenhuma é feliz nessa vida. A gente passa frio, pega chuva, sofre maus tratos, agressões e fora que, nessa vida, ninguém te respeita. Às vezes, nem mesmo a tua família. A minha vida está mudando bastante. As pessoas estão sabendo me respeitar mais — conta.
Casos como o de Bruna ainda são exceção no Brasil. Conforme dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% dessa parcela da população ainda está empregada na prostituição. Nas ruas, os riscos são grandes: segundo a Antra, há um assassinato de transexual ou travesti no país a cada 48 horas. Outra dificuldade é a falta de formação. De acordo com a associação, dos 3,5 milhões de transexuais e travestis no país, 76% não têm Ensino Médio e apenas 0,02% têm Ensino Superior.
No caso de Thales Lima, o preconceito começou ainda na escola. Transexual, sempre teve apoio da família, mas encontrou inúmeras dificuldades no colégio e, depois, no mercado de trabalho:
— Descobri (ser transexual) com oito anos. Sou o mais velho da minha família, depois de mim tem um menino. E eu me via nele, queria ser como ele. Sempre gostei muito de jogar futebol. Algumas professoras chamavam meus pais para dizer: "Olha, essa menina é um menino". Mais tarde, via meus amigos e minha namorada evoluindo e existia aquela barreira comigo. A gente tem muita dificuldade em ser aceito e em conseguir emprego, então acaba enfrentando qualquer coisa.
Thales conseguiu. Se formou no colégio, iniciou curso técnico e agora pensa em fazer faculdade de Farmácia, já que está trabalhando em uma desde fevereiro. Antes disso, trabalhou em uma rede de supermercados e com serviços gerais.
Fazer com que mais pessoas sigam os passos de Bruna e de Thales ainda é um desafio, avalia o Coordenador da Diversidade Sexual e Gênero da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte, Dani Boeira. Para ele, o caminho é longo, mas as mudanças estão acontecendo.
— O preconceito vem da falta de informação. Levamos essa informação para as empresas e para a própria população trans. Diversas vagas estão sendo abertas. Isso empodera elas, melhora a vida, fortalece e acaba com aquela questão da vitimização. Além de tudo, elas estão servindo de exemplo para outros transexuais e para a nova geração — avalia.
As vagas disponíveis para a população trans no Sine são, principalmente, para telemarketing, auxiliar de serviços gerais, atendente de farmácia, fiscal de loja e gerente comercial. A ação é permanente, garante Dani Boeira. O público trans também pode ir ao local para confeccionar carteira de trabalho, certidão de nascimento e receber orientações sobre o currículo.
Ações deste tipo são fundamentais e deveriam ser seguidas por outros municípios e estados brasileiros, avalia o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Guilherme Feliciano.
— É uma iniciativa fundamental e que merece todo o apoio, tanto dos governos quanto da sociedade civil organizada. Nós sabemos, seja pela atuação dos juízes do trabalho ou seja pelas estatísticas, que o público trans sofre uma imensa barreira cultural para o acesso ao emprego, especialmente para vagas decentes, com registro em carteira e os direitos acumulados.
Foi no Sine que Nycole Monteiro, 23 anos, conseguiu emprego em uma rede de supermercados onde trabalha desde março. Antes disso, conta, tinha que esconder a transexualidade para conseguir trabalho. Hoje, comemora e aconselha outras transexuais:
— Tinha que esconder. Por mais que você tenha uma qualificação, a empresa nunca vai dizer por que você não foi aprovada no processo seletivo. Hoje, algumas estão mais abertas nesse sentido. Estou muito feliz. O que eu digo sempre é que temos que manter o foco, ir à luta e não baixar a cabeça para ninguém.