O atraso nas 18 obras da Copa de 2014 — algumas delas que devem ser retomadas somente em abril deste ano —, somado a erros na elaboração dos projetos, já custou R$ 100 milhões a mais aos cofres da prefeitura de Porto Alegre, o que representa um acréscimo de 18,6% em relação a previsão inicial.
O cálculo tem por base os resultados das licitações publicadas pela prefeitura a partir de 2012, que foram comparados com o valor das obras em um levantamento divulgado pela Secretaria Municipal da Fazenda em fevereiro do ano passado.
A atualização do valor até 2018 foi solicitada por GaúchaZH há três semanas. A prefeitura ainda não concluiu o levantamento, que deve indicar um montante ainda maior, já que os projetos foram interrompidos por mais de um ano.
Em 2010, o governo federal sinalizou às cidades-sede da Copa do Mundo que liberaria financiamentos a juro menor para quem fizesse obras de mobilidade. A prefeitura de Porto Alegre foi a mais profícua, como à época reconheceu a Caixa Econômica Federal, financiadora das melhorias. Quando viu que os prazos não seriam cumpridos, a prefeitura mudou o discurso: as obras deixaram de ser "para a Copa" mas "por causa da Copa".
— Isso é a incompetência do poder público. O poder público é um péssimo gestor. Uma série de incompetências gera essa descontinuidade. O custo da incompetência foi estes R$ 100 milhões. O custo social disso é muito grande numa cidade que tem carências. A sociedade não tem como tolerar isso — avalia Luiz Afonso Sena, professor da Escola de Engenharia da UFRGS e PhD em Transportes.
Trincheiras na Anita e Ceará estão entre as que mais aumentaram
Três obras se destacam por extrapolarem os valores previstos. A campeã é a obra da trincheira da Anita Garibaldi. Projetada em 2012 para ser executada por R$ 9,89 milhões, hoje a obra está 90% concluída. O valor atualizado aponta que ela será finalizada ao custo de R$ 17,99 milhões. Ou seja, está 81% mais cara. As melhorias deveriam ser executadas em um ano. Quase seis anos já se passaram desde que a obra foi iniciada e ainda faltam seis meses para que os trabalhos sejam concluídos.
O principal problema encontrado durante a realização da obra foi a identificação de uma rocha no solo da Terceira Perimetral, bem no cruzamento. Para poder realizar o serviço, seria necessário a remoção da pedra. Outro gasto não previsto foi a necessidade de construir um muro de contenção junto a um prédio na Rua Vicente de Carvalho. Também não houve a estimativa de gasto com iluminação nova na região, que precisou ganhar uma licitação extra. Fora isso, é preciso considerar os reajustes que a obra sofreu no período.
Quando tu paras uma obra, automaticamente tu jogas um custo adicional para o futuro. Parar uma obra é a pior coisa que pode acontecer. Uma obra parada custa muito dinheiro
LUIZ AFONSO SENA
Professor da Escola de Engenharia da UFRGS
O corredor de ônibus da Avenida João Pessoa é um outro caso de obra que excedeu, e muito, os percentuais razoáveis de reajuste. Os trabalhos estão 66% mais caros. Apenas 50% dos serviços foram concluídos desde setembro de 2012. A troca de pavimento do trecho entre a Avenida Bento Gonçalves e a Avenida Loureiro da Silva foi planejada em R$ 5,32 milhões. Já está estimada em R$ 8 milhões. Como a construtora responsável está em recuperação judicial, a prefeitura decidiu realizar uma nova licitação para retomar a mobilização na região.
No top três de obras mais caras está a mal falada obra da trincheira da Avenida Ceará. A ordem de início foi dada em dezembro de 2012 ao custo de R$ 29,5 milhões. Até agora, 85% dos trabalhos foram concluídos. Os valores atualizados apontam que a obra já custa R$ 41,9 milhões, o que significa que ela está 42% mais cara do que o estimado. E ainda faltam outros seis meses de serviço até a conclusão.
Entre os motivos para um gasto tão superior está, principalmente, a alteração do projeto que a obra precisou enfrentar. A proposta inicial previu uma solução de engenharia diferente para o tipo de solo da região. Para atender as necessidades do local, foi preciso fazer uma escavação mais profunda, com a utilização de grandes máquinas.
A Infraero proibiu os trabalhos durante o dia, sob pena de interferir na operação do Aeroporto Salgado Filho. Os operários precisaram atuar durante a madrugada, o que elevou o gasto com pagamento de pessoal. Além disso, a obra ficou meses parada porque as construtoras responsáveis não aceitavam redução nos preços praticados que a prefeitura atendeu a partir de fiscalização dos órgãos de controle. Depois de idas e vindas, as empresas aceitaram concluir os trabalhos. Mas aí veio a falta de dinheiro do Executivo municipal.
— Quando tu paras uma obra, automaticamente tu jogas um custo adicional para o futuro. Parar uma obra é a pior coisa que pode acontecer. Uma obra parada custa muito dinheiro — critica Sena.
Onde custou menos, projeto ficou mais modesto
Mas há exceções em meio a esse cenário de gastança. O caso mais emblemático é a duplicação da Avenida Edvaldo Pereira Paiva, a Beira-Rio, no trecho entre a Rótula das Cuias e a Usina do Gasômetro.
A obra foi projetada para ser executada por R$ 15,03 milhões em 2012. Porém, foram investidos R$ 11,8 milhões, 26% menos do que o previsto. A duplicação da via sofreu atraso. Era para ser feita em um ano e três meses e demorou quase dois anos. Foi entregue antes da realização da Copa.
Algum milagre? Nem perto disso. Serviços previstos deixaram de ser executados. As duas pistas da Avenida Loureiro da Silva precisavam ser duplicadas em frente à Câmara de Vereadores. Apenas uma foi, pois no local há uma área da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) que precisa ser desapropriada. Também não foi feita a pavimentação da Rua Otávio Francisco Caruzo da Rocha que corta o Parque da Harmonia. Ela segue com pavimento de chão batido.
As obras que são executadas em um tempo mais curto custam menos. As melhorias entregues antes da Copa em Porto Alegre, como foi o caso da duplicação da Edvaldo Pereira Paiva, tiveram pouco ou nenhum reajuste. A construção do viaduto da Pinheiro Borda teve um acréscimo de apenas 2%. O corredor de ônibus da Avenida Padre Cacique teve redução de 1%. Já o viaduto da Avenida Júlio de Castilhos ficou 5% mais barato.
GaúchaZH solicitou posicionamento da prefeitura sobre o assunto. Por meio de nota, a administração municipal disse que os 18 contratos estão em revisão.
"Quanto à atualização de valores das obras da Copa, a prefeitura de Porto Alegre informa que os 18 contratos estão em revisão, pois é importante avaliar os custos desse período em que os trabalhos ficaram paralisados. Os R$ 120 milhões contratados junto ao Banrisul servirão para pagar a dívida de R$ 45,4 milhões e os futuros reajustes para a conclusão dos trabalhos. Essa reavaliação é importante para que se possam ajustar eventuais diferenças de valores, de modo a garantir a legalidade do processo ao órgão de controle. A análise leva em conta todos os reajustamentos praticados desde o início dos contratos, alguns remontam a 2012, e isso inclui até as obras já concluídas."