Em pé, encostado na parede ao lado da porta de entrada da casa, Brian Soares dos Santos, 12 anos, estica a perna direita acima dos ombros enquanto pensa uma resposta para a equipe de reportagem. O movimento que, para ele, equivaleria ao coçar a cabeça, surpreende quem desconhece a habilidade do menino e, principalmente, impressionou os técnicos de uma das maiores companhias de balé do mundo: a escola do Teatro Bolshoi no Brasil. A partir de fevereiro, durante os próximos oito anos, o atual morador do bairro Rio Branco, em Canoas, integrará o grupo de estudantes de dança clássica da instituição, localizada em Joinville (SC).
Pela flexibilidade diferenciada e precisão ao parar os movimentos, Brian foi um dos oito selecionados entre 430 participantes da tradicional audição de inverno da escola, realizada em julho do ano passado.
Apesar de ter iniciado no balé há menos de dois anos, o franzino guri de 1,37m e 29 quilos não temeu enfrentar dançarinos mais experientes. Ao contrário, motivado pela professora de balé Gabriele Schutz, Brian os superou. Ainda precisou convencer o pai, o pedreiro Gilson Garcia dos Santos, 35 anos, sobre a própria vocação _ pois acredita carregá-la desde o nascimento.
— Praticava judô, por sugestão do pai, e fui até campeão. Mas sempre gostei de dançar. Quando surgiu a oportunidade, não desperdicei. Só que não foi fácil — entrega o falante menino.
Potencial
Brian conheceu o balé no quarto de casa, durante uma brincadeira com uma prima, da mesma idade dele. Não se esquivou dos alongamentos e completou pliés e giros como se já dominasse as técnicas. Dias depois, com a prima, conheceu a escola de dança frequentada por ela. No canto da sala, enquanto imitava as aspirantes a bailarinas, Brian despertou a atenção da professora Gabriele. Imediatamente, mesmo sem o uniforme, foi convidado a se juntar ao grupo. Nunca mais saiu.
— Vi nele um potencial incomum. Ele se divertia imitando os movimentos com facilidade. Perguntei se ele gostaria de fazer parte da turma, mas Brian alegou não ter condições financeiras de fazer balé. Contatei a mãe dele e ofereci uma bolsa integral na escola — conta Gabriele.
Início às escondidas
A mãe de Brian, a vendedora desempregada Fernanda dos Santos, 30 anos, relutou em aceitar a oferta da professora Gabriele devido à falta de condições financeiras da família e por saber que seria difícil convencer o marido sobre a mudança de atividade do menino. Pela insistência da professora, Fernanda liberou o filho, mas com uma condição: que os três omitissem de Gilson o motivo real da ida de Brian à escola de dança. Diriam ao pai que o filho estudaria street dance. Apostando no diferencial do novo aluno, a professora doou a ele as primeiras sapatilhas e a malha necessárias para as aulas.
— Por desconhecimento e pressão dos parentes, ele jamais aceitaria um filho bailarino. Primeiro, achamos melhor o Brian ter a certeza do que queria para depois contarmos — confessa Fernanda.
Pequeno Príncipe
Gilson não se importou quando o menino desistiu do judô, mas passou a desconfiar da nova atividade do filho quando o viu assistindo vídeos de balé. Por meses, Fernanda negou ao marido quando ele questionava as aulas de Brian e os movimentos diferentes cada vez mais frequentes feitos pelo filho na sala de casa. Gilson só descobriu ao ver no jornal local uma foto do menino, o único entre as bailarinas, numa apresentação da escola.
— Venho de uma família onde a maior parte tem pensamento machista, jamais aceitariam um homem dançando balé. Realmente, quando soube, não gostei da ideia. Pensava mais nele: o que os outros falariam sobre o meu filho? Como ele seria tratado na rua por ser bailarino? As dúvidas só sumiram quando o vi dançando no palco pela primeira vez. Chorei sem parar — recorda, emocionado, Gilson.
No teatro lotado, o pai não escondeu as lágrimas ao ver a plateia aplaudindo de pé Brian ao fim da apresentação solo onde interpretava o personagem Pequeno Príncipe, inspirado na obra de mesmo nome, do autor Antoine de Saint-Exupéry.
Campanha e seleção
Com o consentimento dos pais, a professora de balé tratou de tornar Brian o pupilo que seria levado por ela à audição em Santa Catarina. Apesar da pouca experiência do garoto, Gabriele acreditava no potencial inato do guri. Em maio do ano passado, a família e a escola de dança lançaram uma campanha para arrecadar o valor necessário para custear a viagem de ônibus — cerca de R$ 800 de passagens e estadia — até Joinville. Rifaram um bolo e ursos de pelúcia e ainda venderam camisetas da campanha.
Canoas abraçou a causa e a Brian conseguiu viajar com a professora e o pai. Foi a primeira vez que Gilson e filho saíram do Estado. Depois de uma noite inteira viajando até Santa Catarina, Brian teve menos de 24 horas de descanso antes da seletiva que poderia ter até três etapas.
— Me assustei quando vi tantos meninos e meninas de muitos lugares diferentes. Mas, apesar da viagem longa, eu estava tranquilo. Sabia que precisava fazer o meu melhor. Mesmo se não desse, já teria valido a pena a experiência — comenta Brian, demonstrando maturidade.
Gilson revela ter ficado mais nervoso do que o próprio aspirante a bailarino. Durante todo o dia, o pai aguardou a saída do menino, que só ocorreu depois das 18h. Brian tinha passado por todas as etapas da seleção — apresentação de uma coreografia solicitada na hora, testes de alongamento e equilíbrio e entrevista.
— Suava frio cada vez que um grupo de meninos deixava o prédio, e ele, não. Era o sinal de que seguia com chances de entrar. Não consegui comer até ver ele saindo pela porta. Naquela mesma noite, retornamos a Canoas. Chegamos em casa já com o resultado final: ele tinha sido selecionado. Foi uma emoção que não tem explicação — rememora Gilson, com a voz embargada.
Família acompanhará de perto a nova etapa
Para a nova etapa a partir de fevereiro, Fernanda e Gilson deixarão a casa da família sob os cuidados de um parente e vão se transferir com o filho em definitivo para o novo Estado. Junto com os três também irá o outro irmão de Brian, Mikael Taylos dos Santos, cinco anos. Eles pretendem recomeçar as vidas em Joinville, como forma de apoiar a decisão do primogênito.
— Não será fácil deixarmos todos os parentes para trás, mas é o futuro dele que está em jogo — completa a mãe.
Em Santa Catarina, a família tem contado com a ajuda de um conhecido. É ele quem os auxiliou a alugar uma casa próxima do Bolshoi. Entre as exigências da escola de dança russa está a de que o aluno more a menos de 2km da instituição, para que ele seja buscado pela van do próprio Bolshoi. Outra é que a família é responsável pela saúde do garoto _ ele não pode se machucar, ou corre o risco de perder a bolsa de estudos.
— Já estou preparado porque sei que o início não será fácil. Mas quero fazer novos amigos e me tornar um bailarino profissional — garante o menino.
Brian já tem nova escola para seguir estudando no ensino fundamental, assim como o irmão menor, que irá à creche. Os pais vão procurar novos empregos na cidade.
— Vou atrás de qualquer trabalho. Não estamos pensando que vamos embora, preferimos pensar que vamos realizar o sonho do nosso filho — resume, orgulhoso, Gilson.
Para ajudar na mudança
* Para custear o frete dos pertences dos Santos, a família lançou em 4/1/2018 uma campanha virtual.
* A família precisa de R$ 2,3 mil. Se não conseguir, se mudará só com as roupas.
* O link para ajudar é bit.ly/ajudeobailarino .
* A campanha termina em 20 de janeiro.
* O contato da mãe de Brian é (51) 98014-3147.