Foi na área de construção civil que Jaqueline Lima da Silva, 26 anos, encontrou sua realização profissional. Com vontade de empreender e investir no próprio negócio, ela se inscreveu para o workshop Cooperativa de Mulheres na Construção Civil, organizado pela ONG Mulher em Construção — que já formou mais de 4 mil mulheres para atuar como pintoras, eletricistas e pedreiras. Em busca de qualificação profissional, ela fez um curso de alvenaria em 2015 e hoje faz parte da equipe de restauro de um dos cartões postais de Porto Alegre: a Igreja Nossa Senhora das Dores, no Centro Histórico de Porto Alegre.
— Nunca imaginei que pudesse estar fazendo isso. É muito bom fazer parte de uma obra tão importante e cheia de detalhes como a da Igreja das Dores, é uma realização — conta Jaqueline, satisfeita.
Assim como Jaqueline, mais 14 mulheres participaram da primeira aula do workshop, na noite de quinta-feira (28). No prédio da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), no centro da Capital, pintoras, eletricistas, mulheres formadas em técnicas de construção civil e arquitetas estiveram reunidas para apostar em algo ainda inexistente no Brasil: criar a primeira cooperativa na área formada somente por mulheres.
A iniciativa é um projeto apoiado pelo Fundo Internacional Virginia Gildersleeve, que financia trabalhos que promovam os direitos de mulheres — para o workshop, a ONG liberou cerca de US$ 3 mil. A ideia é estimular a criação de uma cooperativa do setor durante os oito meses do curso — que é gratuito.
No primeiro encontro, os conceitos básicos de cooperativismo foram apresentados por meio de brincadeiras: a professora, mestre em Administração e especialista em cooperativismo, Marina Bordin, propôs uma atividade chamada cabine de escolhas. Uma das alunas virou-se de costas para a turma e colocou fones de ouvido — na playlist, “Camaro Amarelo” tocava no último volume. Enquanto isso, a professora fazia perguntas à mulher — que levantava plaquinhas de “Sim” e “Não” sem saber do que se tratava.
— O principal no mundo do cooperativismo é: primeiro vocês conhecem algo, depois vocês decidem se querem ou não. Só respondam se sim ou se não quando vocês conhecerem qualquer coisa — alertou Marina, para mostrar o quanto é interessante fazer escolhas quando se sabe do que se trata a proposta.
— Vocês podem escolher se querem entrar no mundo do cooperativismo, ou não. Mas precisam conhecer primeiro — continuou.
Com aulas semanais, as participantes terão contato com os conceitos de cooperativismo e empreendedorismo, além de visitar cooperativas para ver, na prática, o funcionamento e a base de uma cadeia de cooperação. Conforme a fundadora e presidente da ONG, Bia Kern, ao unir forças, a mulherada pode ter mais oportunidades no mercado de trabalho.
— Em grupo, elas podem participar de licitações, obter mais facilidade de crédito. Cada uma vai poder oferecer o seu serviço a partir de uma atuação conjunta.
O machismo ainda se faz presente, mas não abala
Desde 2006, a Mulher em Construção capacita mulheres para trabalhar em funções que por muito tempo foram ocupadas somente por homens. Ao longo desses anos, a conversa sobre machismo e empoderamento feminino sempre esteve em pauta nas ações promovidas pela ONG.
— O machismo já começa na justificativa de que a mulher não tem conhecimento, não tem informação. Como vai trabalhar? Colocaram na nossa cabeça que a construção civil não era pra gente. E estamos revertendo isso, mostrando que somos capazes, é um trabalho de formiguinha. Muitas mulheres procuram nossos serviços, idosos também dizem que se sentem mais seguros e até alguns homens querem ser nossos parceiros — comenta Bia.
Antes de trabalhar com hidráulica, Rosângela Silva Pinto, 43 anos, era motorista. De um ambiente de predominância masculina para outro, não foi nem uma, ou duas vezes, em que ela teve que se deparar com o machismo.
— Já ouvi coisas até de colegas, que diziam ‘ah, se ela quer trabalhar com hidráulica, tem que pegar no pesado como nós’ e eu sempre respondi ‘eu tô aqui para trabalhar, se tiver que pegar, vou pegar’. Então mostrei para eles que não é assim, mulher consegue e faz até melhor — brinca.