Elementos adequados para uma casa, sofá, tampa de privada e colchão compunham um cenário que lembrava um lixão a céu aberto nesta segunda-feira em Porto Alegre. Assim como milhares de outros objetos descartados de forma errada, eles emergiram do Guaíba após o manancial recuar no fim de semana, expondo décadas de um problema menos incômodo quando submerso: a poluição promovida pelo descaso da população e do poder público, cujo fim ainda é uma realidade distante.
– Todo e qualquer descarte errado vai parar no Guaíba: seja o que a pessoa joga na rua ou o que a coleta não recolhe. Não é só o cara que chega e joga lá na margem. Todo mundo está contribuindo para essa porcaria – destaca o especialista em recursos hídricos Carlos Tucci.
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Conforme Tucci, não há um único culpado para o emporcalhamento do principal manancial da Capital. O lixo vem de toda a parte: desde os rios que abastecem o Guaíba (entre os cinco principais, três deles estão entre os mais poluídos do Brasil), para onde é escoado um quarto de todo volume de água da bacia hidrográfica do Estado, até o papel de bala que um pedestre jogou no chão e escapou ao trabalho dos garis. Passando, é claro, pelos descartes irregulares às suas margens ou nos arroios espalhados pela cidade.
Os resíduos sólidos mais comuns de serem encontrados – e até recolhidos pelas equipes do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), que realizam a limpeza da orla diariamente – são os compostos por materiais plásticos. Como muitos deles são leves, flutuam por mais tempo, ficando à vista. O que ocorre em situações como a do fim de semana, quando a soma de diferentes fatores climáticos encolheu um trecho do manancial, é que os objetos mais pesados, que habitam o fundo do Guaíba, aparecem.
Segundo Rafael Midugno, analista ambiental da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), diferentemente dos resíduos líquidos – como o esgoto doméstico e detritos industriais – esse tipo de resíduo tem menos chances de oferecer riscos ao consumo. Por outro lado, são vilões da biodiversidade, podendo prejudicar a fauna e a flora, além de ocupar espaço de armazenamento que poderia ser preenchido com água.
– Hoje, tem vários objetos que também oferecem risco de contaminação: pilhas, baterias, eletrônicos e materiais metálicos, que tendem a oxidar, podem liberar substâncias que prejudicam a qualidade do manancial. Mas, mesmo aqueles que são inertes, em quantidade, podem interferir no fluxo da água, além de comprometer a fauna e a flora – diz Midugno.
No dia a dia, a poluição do manancial também se reflete no caixa da prefeitura. Segundo a Secretaria de Serviços Urbanos (Surb), são gastos R$ 900 mil por mês somente na limpeza de 200 focos de descarte irregular espalhados pela Capital. A busca de soluções, assim como a causa do problema, é complexa: implicaria em uma melhora dos serviços de coleta como um todo, mas também em uma maior conscientização da população sobre as consequências do descarte inadequado.
Lixo recolhido em força tarefa deve somar toneladas
O lixo com destino errado entrou na mira da Secretaria de Serviços Urbanos (Surb) desde o começo do ano. De acordo com o secretário Ramiro Rosário, as ações de fiscalização resultaram, até agora, em R$ 2,2 milhões de multas aplicadas por descarte irregular – o valor seria o equivalente ao aplicado nos três anos anteriores.
– (Descartar corretamente) é uma questão de consciência. Não existe lei pra caráter. Temos que buscar conscientizar a população, mas isso é uma questão que vem de casa. As pessoas precisam saber que, no final das contas, quem paga somos todos nós – avaliou o titular da Surb.
Nesta segunda-feira, cerca de 70 funcionários do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) começaram uma força-tarefa que deve se estender pelos próximos dias para retirar o que ficou exposto com o recuo do Guaíba – com o vento forte que atingiu o Estado nos últimos dias, o nível da água baixou 31 centímetros. A expectativa é de que, só na altura do Anfiteatro Pôr do Sol, cerca de quatro toneladas de lixo sejam recolhidos pelas equipes do departamento.