Impulsionada por investimentos e exposição global, Porto Alegre aspirava ganhar um ar cosmopolita, com visual renovado, novas levas de turistas estrangeiros e mais segurança pública com a Copa de 2014. A realidade observada três anos depois é diferente, e a frustração com as promessas pré-Copa não se limita ao legado de obras viárias incompletas.
Taxistas esqueceram das lições de inglês, restaurantes abandonaram os cardápios bilíngues, o investimento em um moderno centro de segurança não freou homicídios, e hotéis amargam taxas minguantes de ocupação.
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Taxistas esqueceram o inglês aprendido para a Copa
Uma das preocupações de Porto Alegre com a proximidade da Copa de 2014 foi ampliar a capacidade de profissionais como garçons, recepcionistas e taxistas de se comunicar em inglês e espanhol. Para isso, foram oferecidas aulas preparatórias antes da competição. Mas, entre os cerca de 400 taxistas que fizeram um curso do Serviço Social do Transporte e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest/Senat), boa parte já esqueceu das lições devido à falta de uso.
– My name is Rovani. Isso eu ainda lembro – brinca o motorista Celso Rovani, 57 anos, que estudou durante três meses.
O resto do idioma ficou pelo caminho.
– Não adianta, a gente acabou não usando o que aprendeu na Copa ou depois. Quem veio andou muito pouco de táxi, e depois continuamos não atendendo muita gente de fora. Sem prática, a gente esquece – explica Rovani.
É a mesma situação do colega Job Antônio dos Santos, 54 anos.
– Na verdade, nunca precisei usar o inglês. Foi interessante, mas esqueci – lamenta.
Em bares e restaurantes, cardápios bilíngues foram abandonados
Nos preparativos para a receber torcedores estrangeiros, bares e restaurantes renovaram ambientes, contrataram pessoal fluente em outras línguas e providenciaram cardápios em inglês para facilitar o atendimento aos visitantes que viriam de países como Coreia do Sul, Nigéria, Austrália, França ou Holanda. As melhorias físicas permaneceram, mas as equipes já sofreram trocas, e os cardápios acabaram abandonados em muitos restaurantes.
– Mandamos fazer cardápios em inglês, mas já não temos mais. Não houve necessidade. Voltamos a usar só em português. Contratamos também algumas pessoas que falavam inglês, mas a equipe já mudou toda – conta o dono do restaurante Via Imperatore, na Cidade Baixa, Moacir Biasibetti.
Na lancheria Cavanhas, a situação foi a mesma.
– Fizemos alguns cardápios em outras línguas, mas voltamos a usar os antigos – conta o proprietário Eli Sturmer.
Franquia nascida com a Copa fechou as portas
Nascida em meio à empolgação da Capital com a Copa do Mundo, uma franquia de bares com temática esportiva seguiu uma trajetória semelhante à euforia despertada pela competição. Idealizada para funcionar apenas durante o torneio, The Soccer Point atraiu público, se tornou uma franquia fixa que chegou a ter três lojas abertas ao mesmo tempo e planos de se expandir para outras cidades. O cenário pós-competição frustrou a estratégia.
– Porto Alegre entrou em uma espiral de problemas depois da Copa que combinou crise econômica com insegurança. Muita gente deixou de sair à noite – afirma o empresário Júlio Machado Filho.
Como a crise também dificultou a tomada de empréstimos e a busca por patrocinadores, a solução foi desistir do negócio e rumar para São Paulo. Agora, como funcionário de uma empresa de licenciamento de gastronomia e entretenimento para clubes (que inclui a hamburgueria do Grêmio), voltou à Capital. Mas por pouco tempo:
– Daqui a algum tempo, pretendo ir embora de novo.