Deslocar-se pela região central de Porto Alegre é uma batalha inglória para quem tem algum tipo de deficiência. Se a má condição de boa parte das vias já torna difícil a vida de quem caminha e enxerga sem dificuldades, para cadeirantes, cegos e pessoas com outras deficiências, circular nas áreas de grande movimento é transitar por um campo minado: pisos irregulares ou esburacados, ausência de rebaixos e rampas de acesso, estabelecimentos inacessíveis e obstáculos diversos colocam em risco a segurança de quem passa e expõem a fragilidade das políticas de inclusão no planejamento urbano da Capital.
Nesta semana, ZH convidou um cadeirante e duas pessoas com deficiência visual a transitarem por vias do Centro e apontarem os principais tipos de dificuldades que enfrentam no dia a dia. A saga desanima. Os maus exemplos são regra e podem ser observados em locais públicos e privados, transformando pequenos deslocamentos em verdadeiras aventuras.
– Como capital, Porto Alegre teria de estar totalmente acessível. Mas não está em muitos pontos. É difícil dizer o mais emblemático – reflete a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comdepa), Liza Cristina Cenci.
Leia mais:
Os desafios de cegos e cadeirantes no centro de Porto Alegre
Um terço dos táxis para cadeirantes ainda não circula nas ruas de Porto Alegre
Se dependesse do que está no papel, a situação seria outra. Em 2011, Porto Alegre foi a primeira capital do país a criar um Plano Diretor de Acessibilidade, que prevê diretrizes para tornar espaços públicos e privados acessíveis a todos. O documento entrou em vigor em 2012. Destaca que as obras licenciadas sigam normas de acessibilidade, com multas a partir de R$ 1,8 mil para quem não as cumpre.
Mais de cinco anos depois da aprovação da lei, no entanto, a situação continua ruim. Os cerca de 30 funcionários da Secretaria Municipal de Acessibilidade e Inclusão Social (Smacis) – que, extinta em janeiro, virou um departamento da pasta de Desenvolvimento Social – foram reduzidos a oito. Só duas pessoas são responsáveis por fiscalizar se as obras seguem as regras – em toda a cidade. Não há plano específico para regularizar de prédios a calçadas construídos antes de 2012. Segundo o diretor da área, a mudança depende da boa vontade dos proprietários.
– Em Porto Alegre, ainda é muito baixa a questão da acessibilidade. Como a cidade é grande e o plano diretor fala em todos os prédios, infelizmente, com esse efetivo não é viável atender tudo em tempo hábil – diz Gabriel Piazza Alban, atual diretor de acessibilidade e inclusão social do município.
Assista abaixo à saga de um cadeirante para sacar dinheiro em Porto Alegre:
* Clique aqui e assista ao vídeo com legenda e audiodescrição
Baixa adesão ao plano diretor obriga alternativas
Em 2017, foram realizadas 30 autuações em toda a Capital. Os poucos fiscais conseguem atuar apenas nas denúncias – é possível informar irregularidades através do telefone 156. Conforme Alban, um plano de Rotas Acessíveis que contemplará diversas vias do centro de Porto Alegre está em fase de revisão na Secretaria do Turismo – o foco do projeto será a instalação de rampas, mas também estão previstos pisos táteis e botoeiras. Apesar de ter verba assegurada pelo governo federal, não há previsão para implantação das melhorias. O início do projeto está sendo prorrogado junto ao Ministério do Turismo para revisão de alguns detalhes e ajustes. O valor é R$453.747,63 total, sendo 92% federal e 8% municipal.
A adesão ao Plano Diretor de Acessibilidade é tão tímida que entidades que defendem os direitos de pessoas com deficiência buscam outras alternativas para acelerar a implantação de melhorias. Nos últimos meses, a Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e com Altas Habilidades no Rio Grande do Sul (Faders) trabalha na articulação de um plano diretor de calçadas válido para todo o Estado. A ideia é convencer os municípios a assumirem a responsabilidade de garantir acessibilidade nesses espaços – em Porto Alegre, quem responde pelas calçadas são os proprietários dos imóveis.
– Somos uma sociedade de pedestres, mas oferecemos mais atenção ao leito da rua do que às calçadas. As pessoas ficam revoltadas que tem um buraco na rua, mas, às vezes, um buraco na calçada, que vai derrubar alguém, não indigna tanto – diz o presidente da Faders, Roque Bakof.
* Colaborou Júlia Soares
Números engatinham
- Atualmente, são 137 botoeiras sonoras em 45 cruzamentos semaforizados na Capital.
- Dos 71 táxis que assinaram contrato para se tornarem acessíveis para cadeirantes em 2015, 48 estão em operação.
- Dos 1.713 ônibus da cidade, 1.255 são adaptados para cadeirantes. O número representa 73,2% da frota.