Rotina para os servidores públicos estaduais, o parcelamento de salários que vai virar realidade neste mês também em Porto Alegre é o ponto mais agudo da crise financeira – e do acirramento de ânimos entre funcionalismo, Câmara Municipal e a gestão Nelson Marchezan.
Com projeção de um rombo de R$ 41 milhões no caixa em junho, a prefeitura aposta em um conjunto de medidas para reduzir despesas, mas a primeira delas não obteve nem apoio total da base aliada no Legislativo. Diante de galerias tomadas de servidores, a prefeitura retirou o projeto que desobrigava o Executivo de repor automaticamente, nos salários, a inflação do ano.
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– A prefeitura quis fazer caixa às custas do salário dos funcionários. É injusto que a prefeitura reajuste o IPTU todos os anos e os salários, não – afirma Paulo de Argollo Mendes, presidente do Sindicato Médico do RS (Simers).
Enquanto oposição e sindicatos comemoravam, Marchezan criticou "a falta de coragem de alguns vereadores". Questionado se mudará a abordagem para conseguir a aprovação dos outros projetos do pacote em tramitação – propostas como o aumento da alíquota previdenciária paga pelo servidor ainda devem gerar embates –, o prefeito apenas ressalta o cenário negativo das finanças.
– Porto Alegre está falida. Ou se faz os ajustes que precisam ser feitos ou Porto Alegre continuará falida e os mais humildes continuarão sofrendo – diz Marchezan, que considera o reajuste automático para todos os servidores uma injustiça salarial "por aumentar as distorções e não fazer justiça para quem ganha menos".
Os projetos e o discurso colocam o prefeito na mira dos servidores. Pela vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), líder da oposição, ele é acusado de ter "elegido o funcionalismo como inimigo". E o anúncio do parcelamento a partir deste mês fragiliza ainda mais essa relação. As definições de faixas salariais devem ocorrer depois do dia 20.
– Os trabalhadores hoje estão doentes em função desse processo de ameaças e terrorismo diário do prefeito Marchezan – sustenta o diretor-geral do Sindicato dos Municipários (Simpa) Alberto Terres, para quem o governo exagera na má situação financeira para "criar o caos e retirar direitos dos servidores".
Conforme a Secretaria Municipal da Fazenda, as perspectivas são de que o saldo negativo se multiplique nos próximos meses – cálculos da pasta dão conta de que o rombo (em junho, seria de R$ 41 milhões) ultrapassariam R$ 400 milhões em dezembro em um cenário considerado favorável.
Usando um nariz de palhaço na Câmara na última quarta, uma assistente administrativa se emocionou falando do medo de não conseguir arcar com suas contas em razão dos vencimentos em parcelas.
– Tirei o filho da escola particular porque já corria o risco de não ter como pagar. Também quebrei os meus cartões de crédito – contou a servidora Kellen Escobar Vicentini, 35 anos.
Marchezan disse, em janeiro, que o atraso de salários aconteceria. Em resposta, a Câmara aprovou uma proposta proibindo a cobrança de multa e de juros das contas de água e impostos de servidores públicos com vencimentos atrasados. Na Justiça, o Simpa obteve liminar contra o parcelamento de salários. Ex-subsecretário do Tesouro do governo Sartori quando do início dos atrasos no Estado, o secretário municipal da Fazenda, Leonardo Busatto, afirma:
– O Estado tem 29 liminares. O Judiciário estadual tentava sequestrar dinheiro da conta, batia e não encontrava nada. Vai ser a mesma coisa aqui.
Economista defende rever repasses à Câmara
A única saída para a crise da prefeitura, na avaliação do economista Liderau dos Santos Marques Junior, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), é reequilibrar as contas municipais. Depois de pelo menos dois anos com resultados positivos, a administração da Capital voltou a registrar déficit primário em 2016: as despesas superaram as receitas (sem contar o pagamento dos juros da dívida). Liderau sustenta que, para ajustar as finanças do município, os passos iniciais foram dados, mas não são suficientes.
No primeiro quadrimestre, em comparação com o mesmo período de 2016, os desembolsos da prefeitura com passagens aéreas despencaram 88,7%, os dispêndios com diárias caíram 65,5% e a conta de telefonia móvel baixou 55,4%, para citar apenas três itens. Só que isso, segundo o economista da FEE, é pouco diante do tamanho do problema. Entre as opções, o especialista aponta a necessidade de debater os repasses para a Câmara. Nos primeiros quatro meses de 2017, o valor aumentou 5,7% em relação ao mesmo intervalo de 2016.
– O Legislativo tem de entrar no esforço de ajuste fiscal e fazer a sua parte também. Outra coisa importante é garantir que as empresas públicas cortem custos. Não dá mais para que elas continuem recebendo dinheiro da prefeitura – adverte.
Propostas do Executivo que ainda devem ser apreciadas na Câmara Municipal:
– Ampliação de 11% para 14% na alíquota de contribuição previdenciária dos servidores municipais
– Redução dos valores de taxa de administração repassados para o Previmpa
– Protesto de devedores de dívida ativa que estão em execução judicial, ação que atualmente é vedada por lei
– Redução em 33% dos cargos da Companhia de Processamento de Dados (Procempa) e determinação de teto dos cargos em comissão
– Extinção de uma gratificação especial para a Smed
– Autorização do Legislativo para fazer empréstimo de até R$ 120 milhões, equivalentes à contrapartida para obras de mobilidade urbana previstas para a Copa
– Renegociação com fornecedores, com o objetivo de estabelecer um cronograma de pagamento do passivo