Ao devolver R$ 4 mil esquecidos por uma passageira em seu veículo, o taxista Raul Mazzilli da Rosa ganhou holfotes. E surprendeu-se por virar notícia quando fez apenas o que tinha de ser feito. Há um ano na função, o jovem de 21 anos diz que o episódio de quinta-feira (11) não é nada "fora do que deve ser comum".
Mas numa sociedade tão castigada pelas notícias ruins e com governantes e lideranças mergulhados em escândalos de corrupção, a carência de bons exemplos enaltece a atitude de Raul, mesmo que ele ache até um exagero a polvorosa que se formou por ele ter devolvido os R$ 4 mil à dona, o que classificou como "uma obrigação de cidadão".
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Professor do curso de Filosofia da Escola de Humanidades da PUCRS, Luís Evandro Hinrichsen não acha descabido os holofotes ao fato, porque identifica uma crise normativa na sociedade brasileira, da escola ao ambiente familiar, ainda que acredite que grande maioria das pessoas agiria de forma semelhante ao taxista.Valores importantes para o convívio social, como a honestidade, não têm sido compartilhados como deveriam, segundo o professor. Hinrichsen coloca ainda mais o dedo na ferida: estamos mais preocupados em parecer corretos do que sermos corretos. É aí que pode estar o mérito de Raul. Ele tinha todas as condições de ser desonesto, sem parecer desonesto, mas agiu corretamente sem que isso necessariamente lhe concedesse algum reconhecimento.
– Ele agiu por convicção, por respeitar um valor seu e respeitar o outro. Precisamos caminhar para uma vida moral pautada por princípios éticos, perceber que o outro é portador de direitos e que deve ser tratado como eu gostaria de ser – diz Hinrichsen.
Psicóloga e professora da Univates em Lajeado, Priscila Pavan Detoni já se viu em situações semelhantes à da passageira transportada por Raul. Em uma ocasião, esqueceu no táxi a carteira. Noutras três – duas delas em Porto Alegre – deixou o celular para trás. Em todas, os taxistas se empenharam para devolver os pertences. Esse histórico positivo faz com que a psicóloga, conselheira do Conselho Regional de Psicologia, aposte em uma sociedade com mais empatia, mesmo que o individualismo e a ideia de levar vantagem sobre os outros estejam sempre à espreita. Valorizar a atitude de Raul, segundo ela, mobiliza uma esperança coletiva de que nem tudo está perdido e pode, inclusive, motivar a atitude correta quando valores são postos à prova.
– É ter compromisso com o outro e entender que, quando cuido do outro também estou cuidando de mim – diz.