Leia mais:
Voo baixo de avião sobre Porto Alegre surpreende moradores
"Se o piloto cumprir as regras, não tem problema", diz especialista sobre voo baixo de avião na Capital
Denise estava a caminho da cozinha para preparar o café da manhã em seu apartamento no Centro Histórico quando ouviu um ronco assustador no céu:
– Bum!
Perto dali, na Avenida Mauá, também no Centro, Cleber viu as duas asas de um avião gigante praticamente na vertical, passando por trás da chaminé da Usina do Gasômetro.
– Fez a curva totalmente de lado.
José Dirlei espiou pela janela da guarita onde trabalha como porteiro, no bairro Santo Antônio: a aeronave estava muito perto dos prédios de quatro andares da sua rua. Deoclesio, que dirigia pela Avenida Protásio Alves, perto da Ramiro Barcelos, não teve dúvidas:
– É um avião sequestrado.
Denise, Cleber, José Dirlei e Deoclesio não se conhecem. Mas, entre as 8h30min e as 9h desta quinta-feira, compartilharam a preocupação de outros tantos porto-alegrenses ao olhar para o céu nublado do início da manhã e avistar um Airbus A330-200 da companhia Avianca voando baixo sobre vários bairros de Porto Alegre.
Do sexto andar de seu edifício, Denise Brose, 61 anos, bióloga, observou apavorada o avião tirar fininho do Palácio Piratini e da cúpula de bronze da Catedral Metropolitana:
– Quase morri de medo. Achei que ia cair.
Cleber Muller, 38 anos, motorista profissional, recém havia passado pela Rodoviária:
– Passou por cima do Guaíba muito baixo.
José Dirlei Silveira, 45 anos, calcula uns cem metros de onde estava:
– Muito perto dos prédios.
Deoclesio Grilo, 30 anos, aquele que pensou tratar-se de um avião sequestrado, mora perto do aeroporto Salgado Filho. Conhece de cor as rotas e os sons emitidos pelos aviões em pousos e decolagens. Uma aeronave comercial ali, sobre o Hospital de Clínicas, só podia ser algo ruim.
Provavelmente sem imaginar o pânico que causaria aqui embaixo, por volta das 8h30min, o piloto do Airbus, falando em português, fez contato com a torre de controle do Salgado Filho.
– Diga 9587 – respondeu a voz da controladora de voo.
– Há possibilidade de voarmos direto a proa do aeroporto, cruzar sobre o mesmo e sobrevoo sobre a cidade perna do vento da 11?
No trecho do diálogo, captado pelo estudante de Ciências Aeronáuticas da PUCRS Lucas Fernandes e obtido por ZH, não é possível ouvir se a torre autoriza a rota peculiar. Mas presume-se que sim, uma vez que o Comando da Aeronáutica informou em nota que o "voo esteve todo tempo dentro das regras de tráfego aéreo". Tudo correto, mas pouco habitual, conforme as próprias autoridades aéreas afirmam: "A aeronave efetuou um perfil previsto nas regras de tráfego aéreo, contudo pouco usual na localidade para as aeronaves de grande porte, estando o tempo todo sob coordenação do órgão de controle."
Quando estava sobre o delta do Jacuí, o avião, em vez de fazer a curva habitual à esquerda para tomar a rota para pouso, seguiu no sentido Sul, cruzando o Guaíba e sobrevoando o Centro, onde estavam Denise e Cleber, os bairros Menino Deus, Santo Antônio, onde estava José Dirlei, e Partenon. Em seguida, retornou no sentido Norte, cruzando as avenidas Ipiranga e Protásio Alves, por onde dirigia Deoclesio, sobrevoando, por fim, o bairro Moinhos de Vento. Depois de provocar alvoroço, o avião pousou em segurança no Salgado Filho por volta das 9h.
A aeronave havia saído da sede da Airbus, em Toulouse, na França, na noite anterior. Seria "nacionalizada" em Porto Alegre. Trata-se de um termo técnico para a entrega da documentação no país onde o avião irá operar. É como um carro, que precisa de liberação do Detran para rodar. Novinho em folha, o avião estava sem passageiros – apenas a tripulação. Passado o susto, com o avião já no pátio do Salgado Filho para deleite dos spotters de plantão (amantes de aviação que ficam horas no aeroporto para registrar pousos e decolagens), começaram as especulações. O que, afinal, levou o comandante a voar a tão baixo?
– É uma gracinha do piloto – disse um internauta.
– De certo, ele é gaúcho e estava com saudade das ruas de Porto Alegre – afirmou outro.
Diretor da Faculdade de Ciências Aeronáuticas da PUCRS, o professor Elones Ribeiro lembrou que manobras semelhantes eram feitas por comandantes da Varig quando uma nova aeronave era integrada à frota:
– O pessoal gosta de fazer o voo panorâmico. Desde que não haja prejuízo ao tráfego aéreo ou coloque em risco as pessoas nos prédios, não há problema.
Por certo, não era sequestro. Nenhuma situação de perigo foi relatada pela Infraero, que disse que apenas a Avianca poderia se manifestar sobre as razões do voo insólito. Procurada desde o início da manhã, a empresa não havia se manifestado até as 22h. Porto Alegre foi dormir sem saber o motivo de tamanho susto. Alheio a preocupação dos conterrâneos, Vinicius Costa, 24 anos, um dos adoradores de aviação, estava de prontidão desde cedo para registrar a chegada do avião ao Salgado Filho. Viu beleza onde outros sentiram medo.
– Não esperava que fosse fazer um voo panorâmico pela cidade, me surpreendi quando avistei ele na proa do Beira-Rio. Logo em seguida, já com o trem de pouso baixado, ele fez uma linda curva à esquerda – disse.
Quando finalmente a aeronave pousava, ele garantiu a foto, mas não deu tempo para gravar um vídeo:
– Só fiquei admirando.
* Colaborou Júlia Soares