Os 22 Centros de Referência de Assistência Social (Cras) de Porto Alegre podem ter de reduzir drasticamente os serviços e até fechar parte das estruturas, que são a principal porta de entrada para benefícios sociais e atendem a uma média de 22 mil famílias por mês.
É que, a partir de 5 de junho, a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) não contará mais com o trabalho de 110 técnicos (assistentes sociais, psicólogos, advogados e educadores) que atuam por meio de contratos temporários há sete anos – desses, 55 estão nos Cras. O número de servidores concursados, que segundo o Sindicato dos Municipários (Simpa) é 42, não possibilitaria o atendimento completo, que compreende o acompanhamento de famílias em situação de vulnerabilidade e o cadastro para os programas sociais.
Os Cras ampliados, onde hoje há sete técnicos, terão apenas um profissional além do coordenador, que são os concursados. Nos Cras básicos, que na maior parte contam com quatro técnicos, as equipes também serão reduzidas a um técnico e um coordenador. As informações são de cinco coordenadoras concursadas que conversaram com ZH.
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A assessoria de imprensa da Fasc informou que o presidente da instituição, Solimar Amaro, não se pronunciaria sobre o assunto. A reportagem também solicitou o número de servidores concursados, mas a instituição afirmou que não seria possível repassá-lo até o fechamento da edição.
No Cras da Vila Cruzeiro a situação é ainda mais grave, pois o centro perderá todos os técnicos. Um comunicado está sendo entregue aos usuários informando que os serviços serão interrompidos por tempo indeterminado. "Todos os profissionais terceirizados que compõem as equipes do Cras de Porto Alegre serão desligados e não há previsão de substituição imediata dessas equipes", diz o texto.
A Sociedade Meridional de Educação (Some) é a entidade responsável pelo contrato com os profissionais temporárias. Um convênio firmado com a Fasc em 2010 possibilitou a contratação dos técnicos. Esse acordo de um ano foi prorrogado seis vezes por meio de aditivos e encerrou oficialmente em 28 de fevereiro. A Some informou, por meio de nota, que decidiu bancar os salários com recursos próprios por mais quatro meses.
"A Some continuou prestando provisoriamente as atividades previstas no convênio (inclusive no pagamento dos salários, com recursos da instituição), por entender a relevância dos serviços prestados à comunidade e a necessidade de um período de transição", comunicou.
O convênio precisou ser encerrado devido a edição do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, lei que não permite a prorrogação de contratos sem que ocorra um chamamento público e possibilite a livre concorrência. A Procuradoria-Geral do Município (PGM) sugeriu neste ano à Fasc, por meio de nota técnica, assinatura de um termo de colaboração com a Some para que os técnicos temporários fossem gradativamente substituídos pelos aprovados nos concursos de 2015 e 2016 em um prazo de 180 dias. O documento assinado pelo procurador Alexandre Dionello, ao qual ZH teve acesso, ressalta o risco de interrupção dos serviços caso o acordo não seja cumprido. Para caso a transição não pudesse ser realizada no prazo indicado, a PGM orientou que a Fasc fizesse o chamamento público para que uma entidade realizasse o serviço dentro da lei.
"Considerando que existe grave risco de interrupção dos serviços ora prestados e executados pela Some à Fasc, que se enquadra na iminência de paralisação de atividades de relevante interesse público, recomendamos a assinatura do termo de colaboração", diz a nota técnica número 46/2017.
– Nos disseram que o gestor municipal não autorizou o chamamento dos servidores que passaram no concurso. Neste momento, não temos nenhuma resposta para dar aos usuários – disse uma das cinco servidoras de diferentes Cras com quem ZH conversou e que pediu para não ser identificada por medo de represálias.
Durante a entrevista, uma das funcionárias recebeu uma mensagem no celular avisando que a fundação já sabia que ela e outras colegas estavam falando com a imprensa.
– Estamos sofrendo pressão todos os dias, não podemos falar com a imprensa – lamentou.
Segundo as servidoras, desde o ano passado que as famílias cadastradas não recebem benefícios como cesta básica e auxílio passagem, além de enfrentarem problemas com infraestrutura. O fim do serviço, avaliam as profissionais, será a perda dos técnicos.
– Sabemos que um técnico não vai dar conta dos atendimentos. Vamos ter de fechar a porta, só não definimos ainda se vamos restringir o atendimento diário de cadastro ou o acompanhamento das famílias em situação de risco – disse uma servidora.
Uma audiência pública que está sendo organizada pela sociedade civil deve ocorrer na terça-feira na Câmara Municipal. As entidades convidaram o prefeito Nelson Marchezan, representantes do Ministério Público e servidores para debater os problemas da assistência social. Um dossiê será apresentado pelas instituições da rede de proteção.
Fundo Nacional é utilizado para custear infraestrutura
Segundo as resoluções 65 e 89 publicadas pelo Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) de Porto Alegre em 10 de abril, a Fasc pretende aplicar R$ 4,4 milhões do Fundo Nacional de Assistência Social recebidos em 2016 em manutenção e custeio de equipamentos públicos, o que compreende desde a locação de imóvel até o pagamento de conta de luz, telefone e despesa com veículos (em março, Zero Hora e Rádio Gaúcha mostraram cortes de energia elétrica e telefonia por falta de pagamento). Como o dinheiro não foi aplicado no ano passado, será reaproveitado neste ano.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), o recurso pode servir para custear as despesas dos equipamentos. Porém, a presidente do Conselho Municipal de Assistência Social, Fátima Cardoso, ressalta que o valor não deve ser totalmente aplicado nesse tipo de gasto. Por isso, o CMAS editou os pedidos da Fasc e rateou os valores entre benefícios e despesas. Mas a verba cobrirá os custos por poucos meses e não será suficiente para atender todos os usuários. A presidente destaca ainda que o serviço está se mantendo apenas com verba federal, enquanto deveria contar com contrapartida do município.