A convocação para um evento dedicado à "pegação" entre adolescentes, neste final de semana, em Porto Alegre, chama a atenção para um fenômeno emergente no país que vem despertando preocupação entre psicólogos e sexólogos. Cada vez mais frequentes e com um número maior de participantes, os encontros também conhecidos como "feira do beijo" ou "rolezinho do beijo" reúnem jovens dispostos a beijar ou, em alguns casos, a fazer sexo com desconhecidos. Especialistas sustentam que a experimentação e a exploração da sexualidade são normais na adolescência, mas apontam riscos nesse tipo de atividade.
Na Capital, a organização do evento Quem Pegou, Pegou, Quem Não Pegou é só Chegar, retratado em ZH na coluna Perimetral, do jornalista Paulo Germano, despertou controvérsia. O texto sobre a iniciativa recebeu mais de 240 comentários. Para o administrador aposentado Miguel Peracchi Barcellos, 66 anos, que há três décadas trabalha com jovens em eventos leigos e ligados à igreja católica, essas reuniões trazem prejuízo à formação dos adolescentes.
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– Isso dá aos jovens uma visão errônea de liberdade, de achar que é livre para fazer o que quiser em qualquer lugar. O fato de ocorrer em locais públicos é um agravante – opina Barcellos.
O educador sexual Marcos Ribeiro, autor do livro Adolescente – Um Bate-Papo sobre Sexo e coordenador da ONG Centro de Orientação e Educação Sexual, no Rio de Janeiro, sustenta que experimentações são comuns a todas as gerações de jovens. Ribeiro entende que o tema não deve ser tratado com moralismo, mas vê riscos nos encontros convocados pela internet e sem possibilidade de saber previamente quem irá participar.
– Vivemos em um momento delicado, em que a internet é uma terra de ninguém e há casos frequentes de abusos. Você não sabe quem são as pessoas que vai encontrar, e pode ficar vulnerável a práticas como um beijo forçado. As regras nunca são muito claras nessas situações – afirma o educador.
As normas variam conforme a organização das reuniões. Em Porto Alegre, os adolescentes que criaram o evento previsto para este final de semana adotaram um sistema de cores de camiseta para indicar a disposição de cada participante. Usar roupa preta, por exemplo, sugere que é "só grudar". Vestir o uniforme de um time de futebol indica estar "só pelo sexo". Há cores para denotar a preferência sexual ou restringir o interesse a fazer novas amizades.
Em São Paulo, onde esse tipo de atividade começou a ganhar força há pelo menos três anos, há reuniões chamadas "feiras do beijo" porque os participantes anunciam em voz alta que tipo de relacionamento procuram. Geralmente, as "pegações" são acompanhadas por consumo de álcool.
Uma das organizadoras do encontro marcado para o Parque da Redenção (que tinha 4,3 mil confirmações de presença no Facebook até a tarde de sexta), uma estudante de 16 anos de Viamão, afirma que já havia participado de iniciativas semelhantes em shoppings da Capital. A exemplo de São Paulo, onde os frequentadores se reúnem no Parque do Ibirapuera, a ideia foi levada para o Parque da Redenção.
– A gente pede para o pessoal não exagerar, porque deverá ter famílias por perto. Mas, se alguém não gosta disso e não quer que o seu filho participe, é só não deixar ir – diz a estudante.
A adolescente conta que a mãe, com quem mora, sabe de sua participação na organização dos eventos, mas "nunca falou nada sobre isso". A psicóloga e professora da PUCRS Carolina Lisboa, especializada em relações interpessoais e violência, afirma que o diálogo entre pais e filhos é a melhor maneira de lidar com a descoberta da sexualidade na adolescência.
– O risco dessas reuniões é que algo acabe saindo de controle, ou que os jovens façam algo não porque querem, mas pela pressão do grupo de amigos – observa Carolina.
Em São Paulo, já houve denúncias de estupro durante "rolezinhos do beijo". Apesar disso, a psicóloga e psicanalista Mari Gleide Maccari Soares acredita que os encontros marcados via internet podem ser positivos ao facilitar que meninos e meninas manifestem sentimentos sobre os quais, por vezes, não conseguem falar com os pais ou amigos:
– O uso da cor nas camisetas é uma forma de comunicação, e indica que os jovens estão com dificuldade para falar sobre sua sexualidade. Não deve haver preconceito em relação a isso.
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COMO AS FAMÍLIAS PODEM AGIR
Não adianta proibir
Para muitos pais, a solução mais fácil e tentadora é proibir que os filhos participem de determinados eventos ou encontrem certas pessoas. Mas, segundo psicólogos e sexólogos, reprimir só piora a situação. Os adolescentes acabam driblando as proibições e recorrendo a segredos ou mentiras para colocar seus planos em prática. Isso só piora o problema, pois distancia os filhos dos pais e impede que a família tome conhecimento sobre a vida do jovem.
Orientar sobre os riscos
A melhor abordagem é entender que a adolescência é uma fase de experimentações, inclusive sexuais, e que isso faz parte do processo de amadurecimento. Em vez de reprimir a sexualidade dos filhos, os pais devem esclarecer os riscos envolvidos em determinados comportamentos – como ameaças à saúde ou à integridade física deles. Encontros íntimos com desconhecidos, por exemplo, podem deixar os jovens em situação vulnerável e facilitar a contaminação de doenças – principalmente se envolverem sexo sem camisinha.
Contrabalançar a "pressão do grupo"
Durante a adolescência, garotos e garotas estão definindo sua identidade. Nessa fase, a opinião dos outros adolescentes ganha importância, e a pressão exercida pelo grupo de pares pode levar o jovem a adotar atitudes de risco. Por isso, os pais devem estimular os filhos a não tomarem decisões baseados exclusivamente na influência dos amigos e se colocar à disposição para tirar dúvidas e oferecer apoio.
Manter diálogo permanente
Pais que costumam ouvir seus filhos, adotando o diálogo como regra em vez de uma postura repressora, têm menos risco de ver os adolescentes envolvidos em situações problemáticas. Por isso, é fundamental manter-se aberto para falar, sem preconceito, de temas como sexo.