Os apaixonados pelos desfiles das escolas de samba de Porto Alegre estão prestes a viver um novo Carnaval neste ano. A falta de recursos públicos para bancar a estrutura do Sambódromo do Porto Seco e os cachês das 26 escolas – a previsão em orçamento era de R$ 7 milhões –, gerou a necessidade de readequação do tamanho da festa, bem mais modesta, além de fora de época.
Atualmente, a Liga Independente das Escolas de Samba de Porto Alegre (Liespa) e a Secretaria de Cultura da Capital correm contra o tempo em busca de patrocínio na iniciativa privada para garantir a realização dos desfiles no final de março, às vésperas do aniversário de 245 anos de Porto Alegre.
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Carnavalescos, no entanto, afiançam que o enxugamento dos custos não poderá impactar na importância do evento. Pelo contrário: apostam na garra da comunidade do Carnaval para superar orçamentos minguados e colocar cada agremiação na passarela do samba com muita dignidade e respeito ao público que se encanta com a festa. A adversidade e as incertezas não apagaram a vontade de brigar pelo título. E trouxeram ainda uma nova realidade:
– Estamos ficando mais unidos, mais amigos – observa João Carlos da Silva Martins, 72 anos, o Gago, presidente da Império da Zona Norte, a respeito da relação entre os presidentes das escolas.
A 40 dias dos desfiles, o Diário Gaúcho mostra como está a busca por patrocinadores, o clima nos barracões e adianta o esboço da estrutura do Sambódromo, com o qual a Liespa trabalha atualmente para realizar três dias de folia no Porto Seco.
Busca por patrocínio
De acordo com Juarez Gutierres de Souza, presidente da Liga Independente das Escolas de Samba de Porto Alegre (Liespa), há duas frentes em busca de patrocinadores para o Carnaval: uma é a agência de publicidade com a qual a liga trabalha e outra a força-tarefa da Secretaria Municipal de Cultura (SMC), que está com a equipe do setor de captação mobilizada para conseguir patrocínio. A meta é alcançar R$ 3,5 milhões.
Até o momento, 12 empresas já foram visitadas e manifestaram verbalmente interesse em bancar o evento, mas nenhuma quantia foi para a conta ainda. Na próxima semana, a prefeitura assinará o documento em que formaliza a cedência do local público para que a Liespa assuma como protagonista do processo e, assim, possam ser fechados os patrocínios oficialmente.
A planta comercial (com os espaços nos quais será possível expor as marcas, por exemplo) prevê cotas entre R$ 25 mil e R$ 300 mil.Conforme Érico Leotti, coordenador das manifestações populares da SMC, entre os entraves para o fechamento de patrocínios está o fato de as empresas fazerem a previsão orçamentária no ano anterior e a operacionalização interna para aprovação e liberação de patrocínio, demande tempo.
– Temos um prazo técnico (para conseguir o patrocínio) que é o da montagem da estrutura, de 30 dias antes do evento – explica Leotti.
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Há um plano B?
E se não forem alcançados os R$ 3,5 milhões?
Juarez esclarece que, desse valor, R$ 2 milhões são destinados ao cachê das escolas. No entanto, as agremiações sabem que, caso a meta não seja batida, haverá redução (para todas, proporcionalmente, conforme o grupo e a colocação no Carnaval passado). E, caso não haja o valor integral para pagamento da estrutura, é possível que fiquem faturas para quitação após o evento.
– Tenho obrigação de fazer o Carnaval acontecer. Tenho convicção disso – afirma Juarez.
Em relação à estrutura para realização dos desfiles, Leotti diz que foi feito o enxugamento máximo no novo projeto, considerando as peculiaridades do Porto Seco (toda a estrutura de iluminação, por exemplo, precisa ser montada do zero, pois não existe), o mínimo de conforto para o público e as condições de segurança necessárias. Não há como, por exemplo, em não conseguindo o recurso mínimo para a estrutura, não erguer arquibancadas.
Enquanto isso, nos barracões...
É fazendo um paralelo entre a vida da personagem homenageada em seu enredo deste ano e a atual situação do Carnaval de Porto Alegre, que o carnavalesco Luciano Maia, 42 anos, mostra o que inspira e estimula o trabalho no barracão da Imperadores do Samba em tempos bicudos. Assim como a pintora mexicana Frida Kahlo, que transformou os problemas de saúde num estilo reconhecidamente autêntico, o Carnaval está vivendo dias de dificuldade que darão origem a desfiles mais criativos e originais.
– Vamos falar de Frida que, como uma fênix, ressurge – explica Luciano, parte de uma comissão de Carnaval.
Com recursos exíguos, a saída foi apelar para o reaproveitamento de materiais – pelo menos 70% do material do Carnaval passado será reutilizado. Do ponto de vista do regulamento, não há nada que impeça as escolas de usar algo que já foi visto na avenida, desde que esteja de acordo com o enredo.
A turma do barracão está empenhada em trabalhar com garrafas pet, latas de alumínio, conduítes, festão e outros materiais recicláveis de modo que o público não perceba o uso desse recurso. Numa das quatro alegorias, por exemplo, uma das flores gigantes é feita com o arame de um guarda-chuva. Já uma pilha de pneus se transformará num vaso e garrafas pet são base de pingentes para decorar a alegoria.
– Mesmo com essas dificuldades, os admiradores do Carnaval terão um espetáculo visual – promete Luciano.
Bambas da Orgia em atividade
No barracão da Bambas da Orgia, o trabalho começou há 30 dias. A parte da ferragem está pronta, as esculturas estão sendo confeccionadas e deve começar o madeiramento das três alegorias do enredo Num piscar de olhos tudo pode acontecer.
Ao todo, são sete pessoas sob o comando do carnavalesco Sílvio de Oliveira.Wagner Machado, responsável pelo barracão, explica que a arrecadação proveniente dos ensaios das quintas-feiras vem sendo usada para tocar os preparativos para o desfile.
No início da semana passada, a porta do barracão da Império da Zona Norte estava aberta e, na antessala, estava sentado João Carlos da Silva Martins, 72 anos, o Gago, presidente da escola. Era a única pessoa no imenso galpão parado. Todos os dias batem lá pessoas em busca de trabalho, que ainda não começou.
De acordo com Juarez, no ano passado, por exemplo, nesta época os barracões abriam 280 vagas de emprego direto. Hoje, o número fica em, no máximo, cem.
– Até agora não tem nada funcionando por falta de dinheiro. Mas estou otimista. Acho que entrará pingado – afirma, estimando que pelo menos 50% do recurso necessário para colocar a escola na avenida será oriundo do cachê e o restante de doações.
No entanto, ele garante que um carnavalesco do Rio de Janeiro está trabalhando nas fantasias e nos detalhes dos carros – no enredo que falará sobre procissões –, a exemplo do que já ocorreu no ano passado, uma medida mais econômica.
O material começa a chegar no Porto Seco neste final de semana. No sentido de economizar, haverá aproveitamento de esculturas e outros materiais do Carnaval do ano passado.
– Carnaval é dinheiro. Quem tem, faz, quem não tem, não faz. O problema é a indefinição do cachê. Estamos aguardando os recursos que a gente espera que venham – observa Gustavo Giró, diretor de Carnaval da Embaixadores do Ritmo, citando que pelo menos 40% dos custos do seu desfile sejam cobertos pelo cachê.
Acostumado a adquirir materiais em São Paulo e no Rio de Janeiro no mês de agosto, Giró imagina que os trabalhos começarão com força no barracão só a 30 dias da festa para fazer o desfile que é uma homenagem ao centenário do samba.
Neste ano, metade das fantasias está sendo feita em Porto Alegre, com materiais da Cadeia Produtiva do Carnaval. O restante, será comprado pronto. O diretor acredita que muitas escolas recorrerão a essa alternativa pela praticidade, qualidade e menor preço.
Na avaliação do diretor de Carnaval, o público, independentemente da falta de dinheiro, exigirá o espetáculo. Como forma de enxugar custos, a escola deverá reduzir o número de alegorias para três e também o número de componentes nas alas. O diferencial, segundo ele, será a organização. Ao lado da neta Ana Luísa, 12 anos, que é porta-estandarte da escola, Giró não perde o otimismo:
– Vamos desfilar para disputar o título.
Como será a estrutura e os desfiles
Arquibancadas, camarotes e frisas
/// Se no ano passado havia disponibilidade de 13.290 lugares nas arquibancadas, a planta do Sambódromo em 2017 foi reduzida a 9 mil lugares. Já os camarotes diminuíram de cem, em 2016, para 20. Todo segundo pavimento que era montado no evento não existirá neste ano – os camarotes serão térreos. Já a estrutura e o número de frisas serão os mesmos: 80.
/// Os banheiros, que eram contêineres no ano passado, serão banheiros químicos.
/// Na próxima terça-feira, dia 14, será divulgado o nome da empresa responsável pela montagem da estrutura do desfile.
Ingressos
/// Diferentemente de anos anteriores, em que os ingressos eram vendidos no Centro Municipal de Cultura, desta vez os ingressos serão comercializados numa rede de farmácias com filiais em Porto Alegre e em cidades da Região Metropolitana.
/// Os valores das arquibancadas já foram definidos: desfiles da Série Ouro, no dia 25 de março, R$ 15 e Série Prata, no dia 24 de março, R$ 10. Para o desfile da Série Bronze, no dia 23 de março, a liga estuda uma campanha de cunho social, com a doação de alimento não-perecível no lugar da cobrança de ingressos.
/// Os camarotes e frisas, que até o ano passado eram leiloados, terão valor fixo, de acordo com tamanho e capacidade. Esses valores ainda não foram definidos.
Cachê
/// Dos R$ 3,5 milhões que a Liespa tem como meta de captação com patrocinadores, R$ 2 milhões são destinados ao cachê das escolas. A regra para a distribuição o dinheiro segue a mesma: divisão entre as 26 escolas e tribos, conforme a categoria (séries Ouro, Prata e Bronze) e a colocação no Carnaval 2016. Caso o valor captado não alcance os 100%, a redução nos pagamentos dos cachês será feita proporcionalmente.
Competição e jurados
/// Se as escolas não receberem o cachê integralmente, é possível que, até 15 antes dos desfiles, a Liespa publique uma normativa alterando regras a fim de evitar a perda de pontos administrativos. Por exemplo: diminuir a exigência de, no mínimo, 150 ritmistas na bateria para 100 componentes, o que significaria economia em fantasias que geralmente são custeadas pelas escolas.
/// Haverá competição, com uma escola campeã e uma rebaixada de cada grupo, ou seja, ascenso e descenso serão mantidos.
/// Até o ano passado, o Carnaval contava com 32 jurados (quatro para cada quesito, sendo que a nota mais baixa era excluída), do Rio de Janeiro. Na intenção de reduzir custos (passagens aéreas, diárias, refeições), a liga estuda reduzir para 24 (três para cada quesito, aí sem a exclusão de nenhuma nota). A proposta precisa ser apreciada e votada pelo conselho.
Alimentação e infraestrutura
/// São estudadas duas possibilidades para comercialização de alimentos e bebidas: uma delas é a manutenção do modelo do ano passado, com copa central e praça de alimentação e a outra com food trucks, cuja estrutura é mais econômica.
/// A Secretaria Municipal de Cultura tem mapeados os órgãos da prefeitura que deverão atuar no evento. Estão sendo avaliados ainda o tamanho e o porte da estrutura a ser oferecida.
Descida da Borges
/// A fim de aproximar o tradicional evento da data dos desfiles, a Descida da Borges não será realizada mais em fevereiro, mas em março. Será nos dias 3 e 10 de março. O nome das escolas participantes ainda não foi divulgado.
Muamba
/// Quando for definida a empresa que fará a estrutura, a Liespa tentará incluir uma noite para teste de som e luz, na qual poderá ser realizada a Muamba, desde que não haja a cobrança (no custo total da estrutura) de uma noite extra.
/// Os desfiles serão realizados nos dias 23 de março (Série Bronze), 24 de março (Série Prata) e 25 de março (Série Ouro). No sentido de economizar, não haverá desfile das campeãs como nos anos anteriores, pois seria necessário custear a guarnição de todo o equipamento montado no Porto Seco além de despesas de mais uma noite de iluminação e som.