Uma promoção do Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre (Sintáxi) jogou gasolina sobre o já inflamado mercado de transporte individual de passageiros da Capital. Apesar de visar à reconstrução da imagem do serviço de táxi, questionado em termos de qualidade e atendimento após a chegada de aplicativos como Uber e Cabify, a iniciativa do Sintáxi gerou revolta em parte dos condutores.
Resultado: o clima de animosidade que inicialmente colocava em antagonismo taxistas e motoristas de aplicativos, agora se espalha entre os próprios taxistas. Logo no primeiro dia da promoção, 16 de janeiro, um grupo destruiu as câmeras de segurança e a caixa de abastecimento de energia do prédio do Sintáxi, na Zona Leste. Apesar das reclamações, o número de usuários do aplicativo saltou de 2 mil para 10 mil em uma semana (veja abaixo), assim como cresceu o próprio número de taxistas ativos.
Até a meia-noite do dia 28 de fevereiro, os passageiros receberão 50% de desconto nas corridas solicitadas pelo aplicativo do Sintáxi. Aderir à promoção não é obrigatório para os taxistas – basta que não peguem corridas pelo aplicativo. Já os que aceitarem, são obrigados a conceder os 50% de desconto no valor apontado no taxímetro.
Desses 50% de desconto concedidos aos passageiros, 30% saem do bolso dos próprios motoristas que aceitam as corridas, e os 20% restantes são subsidiados pelo sindicato. Exemplo: se a viagem custar R$ 20, o passageiro pagará R$ 10, mas o condutor receberá um total de R$ 14 – R$ 10 do passageiro mais R$ 4 (20% do total, que serão ressarcidos pelo sindicato ao taxista).
As principais queixas dos profissionais (veja abaixo), registradas na página do Sintáxi no Facebook, referem-se justamente ao percentual de desconto, considerado inviável pelos condutores, e ao fato de que muitos deles não teriam sido consultados sobre a criação da promoção.
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– As consultas vêm sendo feitas desde a entrada do Uber em Porto Alegre, em 2015. Foram inúmeras reuniões com conselheiros, supervisores de ponto e pessoas que frequentam o sindicato. A maioria disse "temos de fazer um aplicativo" – explica o presidente do Sintáxi, Luiz Nozari.
Conforme o sindicalista, o objetivo da promoção é aumentar carteira de clientes dos táxis, mostrar que o serviço melhorou, recuperar antigos usuários que migraram para os aplicativos e, por fim, fidelizá-los, com descontos menores do que os atuais a partir de março. Para subsidiar os 20% das corridas, estima Nozari, o sindicato deve gastar entre R$ 150 mil e R$ 200 mil.
– A questão que enfrentamos agora é uma questão de mercado. Legislativo, Executivo e Judiciário não nos ampararam – reclama Nozari, sobre a disputa com os aplicativos Uber, Cabify, 99Táxis e Easy Táxi. – Veneno de cobra se cura com veneno de cobra. Senão, nós iríamos morrer à míngua. E é evidente de que isto mexeu com o mercado.
Números positivos e ameaças de morte
Os números iniciais mostram que, apesar das críticas, a promoção vem surtindo resultados positivos entre passageiros e entre os próprios taxistas. Na semana anterior à promoção, o aplicativo tinha cerca de 2 mil usuários cadastrados. Já nesta terça-feira, o número passava de 10 mil (aumento de 400% em oito dias). No primeiro dia da promoção, 500 motoristas aceitavam corridas pelo aplicativo. Agora, são 775 (alta de 55% no período).
O Sintáxi tem cerca de 2 mil sócios, que contribuem mensalmente com R$ 20, formando o fundo que assegurará o pagamento dos subsídios.
– Tenho recebido ameaças de morte, feitas anonimamente, por telefone. Nos grupos de WhatsApp, mostram fotos do carro em que eu ando. Essas pessoas não têm a hombridade e o caráter suficiente para vir aqui e nos convencer a mudar – diz Nozari.
Nos pontos de táxi, nem todos estão insatisfeitos
Depois de desconfiar da promoção, logo após o seu anúncio, o taxista Jeferson de Alencar, 38 anos, que costuma atuar no ponto Capitólio, na Praça Daltro Filho, no Centro, acabou se rendendo à iniciativa do Sintáxi. E não se arrependeu. Pelo contrário:
– No início, achei que eles estavam fazendo cortesia com o meu chapéu. Mas, diante da falta de corridas, me obriguei a entrar. E hoje fiz mais dinheiro do que todos estes caras aqui – brinca, dirigindo-se a dois colegas que preferiram não prestar serviços pelo aplicativo.
Segundo Alencar, que é dono da própria permissão, os chamados pelo aplicativo evitam que o motorista perca tempo em uma fila de 15 táxis até chegar à primeira posição no ponto e conseguir, finalmente, pegar uma saída, que, às vezes, tem valor muito baixo. Para completar, durante as corridas, a qualquer momento ele pode receber chamados para novas viagens via aplicativo.
– Das 6h da manhã às 15h30min, ganhei R$ 180 em cinco corridas pelo aplicativo e outras que peguei no ponto – diz o taxista.
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Já o motorista Pedro Padilha, 57 anos, também do ponto Capitólio, fez as contas e achou que não valia a pena prestar serviço via aplicativo do Sintáxi. Com um gasto mensal de R$ 2 mil pagos ao permissionário do táxi, ele também já abandonou os programas Easy Táxi e Táxis, quando ambos começaram a cobrar 30% de comissão sobre as viagens.
– Na verdade, acho que estão querendo fazer a gente (categoria) se ajoelhar. Temos de fazer algo para melhorar a nossa situação, que está abaixo do sustentável – reclama Padilha.
Segundo ele, a crise econômica do país – aliada à entrada em operação dos aplicativos na Capital – reduziu em 40% os ganhos dos taxistas.
– De onde vou tirar R$ 2 mil para o permissionário dando este desconto (50%)? – questiona Padilha, que ainda se refere à situação de Alencar, o colega de ponto que decidiu participar da promoção. – Não tem almoço de graça. Ele (Alencar) vai pagar isto mais tarde – sentencia.
Permissionários dizem que frota pode ser sucateada
A promoção realizada pelo Sintáxi foi recebida de forma negativa não apenas por um segmento dos taxistas, mas também pelos permissionários, que detêm as concessões da prefeitura para explorar o serviço e cedem seus veículos para os taxistas, formalmente chamados de "auxiliares" – estes recebem uma comissão mínima de 25% sobre as corridas ou pagam taxas fixas pelo aluguel da permissão, como o caso de Padilha. O presidente da Associação dos Permissionários Autônomos de Porto Alegre (Aspertáxi), Walter Barcellos, classifica o desconto de 50% nas corridas como "muito nocivo" ao setor.
– Sou radicalmente contra. Os permissionários não têm como dar um desconto destes – afirma Barcellos. – Para os auxiliares (taxistas), não altera nada, porque eles estão tendo o subsídio. Mas, para nós, vai ficar muito ruim porque, na hora de repor a frota, não vamos ter de onde tirar este valor. Isto vai acabar em sucateamento.
O permissionário defende a desoneração do serviço de táxi, com a não obrigatoriedade do uso de aparelhos de GPS (Sistema de Posicionamento Global), pelo qual os motoristas pagam cerca de R$ 80 mensais, e o uso da cor branca nos veículos (o gasto médio para pintar de vermelho ibérico um carro que sai da fábrica branco é de R$ 2 mil).
Barcellos também prega o retorno do sistema de bandeira 2 aos padrões anteriores (das 22h às 6h durante a semana e das 15h de sábado às 6h da segunda-feira). Atualmente, durante a semana a bandeira 2 é aplicada das 20h às 6h do dia seguinte e, nos fins de semana, das 22h de sábado às 6h da manhã de segunda.
– Com a ampliação da bandeira 2, haverá maior procura pelo táxi porque, aí sim, tem um desconto de 30% em algumas horas. Não vou onerar a população com 30% extras em algumas horas. Este desconto nós aceitamos – diz Barcellos.
Representante administrativo da rádio-táxi Transtáxi, empresa que conta com 115 motoristas cadastrados, Cláudio Henriques, garante que uma pequena minoria dos profissionais da empresa está realizando corridas pelo aplicativo.
– O desconto (de 50%) gera preços muito baixos. Tu não consegues pagar os teus gastos diários com os valores atuais, como comissão do concessionário, desgaste do veículo, combustível e, no nosso caso, uma mensalidade R$ 320 para a empresa de rádio-táxi (por dia, R$ 10,66). Com o que sobra, não tem como o taxista pagar as suas contas – avalia.
Conforme Henriques, como a bandeirada básica de uma corrida começa em
R$ 5,18, uma viagem de R$ 8, por exemplo, com os 50% de desconto (mais o subsídio de 20% a ser pago pelo Sintáxi), rende ao final apenas R$ 5,60.
– É claro que algumas corridas longas, de R$ 70 ou R$ 80, para eles (taxistas), ainda valem a pena. São trajetos longos, o valor é alto, e eles já ficam um pouco mais contentes. Mas as corridas que dão R$ 8 reais são complicadas.
Em nota divulgada pelo Facebook no final da noite de terça-feira, o Sintaxi afirma que não pretende realizar uma nova Assembleia Geral da categoria e que qualquer evento marcado não tem aval da entidade ou "legitimidade do ponto de vista fático ou juridico".
– O Sintaxi já realizou a consulta da categoria, adotando as decisões tomadas, as quais tem sido extremamente bem sucedidas – diz o texto.
Serviço
- Até a meia-noite do dia 28 de fevereiro, os passageiros receberão 50% de desconto nas corridas solicitadas pelo aplicativo do Sintáxi.
- Embora os motoristas que utilizam o aplicativo não sejam obrigados a a aderir à promoção (realizar todas as corridas pelo aplicativo), nas viagens em que a ferramenta for utilizada, eles são obrigados a conceder 50% de desconto sobre o valor apontado no taxímetro.
- Exemplo: se a viagem custar R$ 40 no taxímetro, o passageiro pagará R$ 20. Já o condutor receberá um total de R$ 28 – R$ 20 do usuário e R$ 8 (20% do total, valor a ser ressarcido pelo sindicato.
As principais queixas
"Quando uma ação nos afeta diretamente, o mínimo seria nos consultar."
"Com o $$ que o sindicato quer subsidiar os 20%, vocês poderiam gastar viajando para outras cidades como Rio de Janeiro e São Paulo para tentar criar maneiras e mobilizar os outros para mudarmos a lei dos táxis junto a Câmara."
"Não sou Urubu pra trabalhar de graça."
"Isso é um banho de água fria para os taxistas e passageiros que esperaram para poder fazer muitas viagens à Região Metropolitana, a Gramado e às praias. Uma enorme perda já na arrancada. Favor reconsiderar essa decisão, para que o incentivo não vire decepção para a categoria. Obrigado."
"Por favor, senhores! Quanto mais 'vossas senhorias' tentam explicar a tal campanha, pior fica. Será difícil entender que a grande maioria da categoria não está de acordo com essa 'promoção'? Se querem realmente fazer algo em prol das classes taxista, lutem pela extinção do GPS, das taxas de vistoria e outras mais, que encarecem os valores das corridas. Queremos é um sindicato que valorize a categoria e não queira nos igualar a ilegalidade."
"Devia haver uma consulta com toda a categoria. Será que todos que tomaram essa decisão são realmente taxistas? Pago R$ 1,70 por quilômetro rodado. Como vou sobreviver?"
"Aí um exemplo: você sai daqui do Leopoldina, onde trabalho, até a Rodoviária, ida e volta, 24 quilômetros a corrida. Da em torno de R$ 38 reais. Eu pago R$ 1,80 por quilômetro rodado. Aí vou pagar para trabalhar. Faz favor, né? O sindicato está brincando com a categoria."
"Sou sócia e não fui consultada."
"Isso é um golpe na nossa categoria mais uma vez."
"Esta decisão não poderia ser exclusiva de um aplicativo, mas sim um acordo de comunicação de toda classe trabalhadora que faz este transporte. Por isso deveria haver um assembleia geral para obter um adesão de desconto até para as pessoas que não possuem o aplicativo."
"Consultaram a categoria... Quando? Onde? A mim não consultaram."
"Quero ver vocês trabalharem esses dois meses pela metade do salário! Vamos fazer essa?"
Fonte: www.facebook.com/sintaxipoa