Há quem duvide, outros tentam derrubá-lo, mas existe Carnaval no velho Porto dos Casais. Dá para dizer que vêm dos Açores a tradição e o gosto pela dança e pelo canto alegre de quem sai pelas ruas ou dá voltas no salão, seja em fevereiro, antes ou depois. Quem nunca ouvir falar em Carnaval de Inverno? Eu mesmo fui a vários bailes carnavalescos em junho ou julho, quando, até meados dos anos 1980, alguns clubes faziam promoções especiais. Hoje, não é raro assistir uma bateria de escola de samba, passistas, músicos e intérpretes carnavalizando festas de aniversário, formatura ou casamento. Se é assim, então é porque nosso Carnaval é pura realidade.
O primeiro Carnaval de Corso, em Porto Alegre, foi em 1874, segundo narra Athos Damasceno em sua obra O Carnaval Porto-alegrense no Século XIX. Mas, antes disso, já se fazia alguma coisa. No livro de Athos, encontra-se a afirmação sobre os fundadores da cidade: "Nosso ancestral açorita tratou de trazer para cá – e trouxe mesmo – todos os teres e haveres de seu afagado tesouro cultural". O acervo português, trazido de além-mar, incluiu as festas populares.
Leia mais
Carnaval: a resistência em meio à roda-viva
FOTOS: conheça a nova corte do Carnaval de Porto Alegre
Escolas de samba: para onde vão?
O Entrudo estava entre elas. Não foi apenas aqui que houve essa influência. Se traçarmos um resumo histórico dos desfiles das escolas de samba cariocas, veremos que tudo começou com a brincadeira portuguesa em homenagem a Momo.
Então, nenhum espanto em chegarmos às primeiras décadas do século passado cantando e sambando nos clubes, blocos e cordões. Considerando as agremiações carnavalescas em atividade, os Bambas da Orgia são os mais antigos. Sua fundação é de 1940, bem antes de muitas das famosas escolas do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Império Serrano, Beija-Flor, Salgueiro, Mocidade Independente e Imperatriz Leopoldinense são algumas das cariocas que nasceram depois da azul e branco de Porto Alegre.
Como os Bambas, outras tantas foram surgindo, algumas hoje extintas, como O Xis do Problema, Prediletos, Divertidos e Atravessados, Democratas, Aratimbó, Aí Vem a Marinha, Trevo de Ouro, Comandos do Morro e muitas mais. Em 1946, houve a fundação da primeira tribo carnavalesca, exclusividade gaúcha, Os Caetés. Depois, vieram Xavantes, Tapuias, Bororós, Aimorés e Araxaneses. Foi categoria de muito brilho, atraindo turistas dos países vizinhos, que tinham preferência pelas lendas, hinos e coreografias de nossos índios carnavalescos. Hoje, duas apenas são ativas: Guaianazes e Comanches. A Rainha do Carnaval, Raquel Sampaio, é uma índia bonita dos Guaianazes.
Em 1961, a grande mudança. A Academia de Samba Praiana, fundada um ano antes, fez seu primeiro desfile, descendo a Avenida Borges de Medeiros, da esquina com a Salgado Filho até a prefeitura, com uma parada na esquina com a Rua da Praia, onde ficava o coreto oficial das autoridades e do incomparável Rei Momo Vicente Rau. Era o tempo do Carnaval Pepsi-Cola, todo patrocinado pela fábrica de refrigerantes. Havia coretos em quase todos os bairros e os grupos de desfilantes percorriam de ônibus fretados as madrugadas. A Praiana veio diferente, com enredo, alas, pequenos elementos alegóricos e a armação do desfile no formato que até hoje conhecemos. As demais também reinventaram-se a partir de então. A Borges ficou estreita, os desfiles mudaram de endereço várias vezes, ocupando a Cidade Baixa, região de origem da maioria das escolas de samba. Houve desfiles na João Alfredo, João Pessoa, Loureiro da Silva, Augusto de Carvalho e, finalmente, no Porto Seco, onde estaria muito bem, se as estruturas definitivas de arquibancadas e camarotes já existissem. O monta e desmonta continua, mas isso não atrapalha o ardor da paixão pelo Carnaval.
Buscar financiamento de porta em porta, oferecendo ao doador uma página do Livro Ouro para assinar como benfeitor, está na raiz histórica de cada uma das entidades carnavalescas. Quando organizadas, com quadro social, buscam nas contribuições regulares a manutenção. E outra fonte de arrecadação sempre foi o ensaio, com a cobrança de ingressos e faturamento na copa. Enredos patrocinados, cachês pagos pelas prefeituras e ainda recursos oriundos de projetos culturais incentivados vinham sendo o modelo dos últimos 30 ou 40 anos. Muda o cenário outra vez. Raros casos de custeio oficial sobrevivem, e o futuro remeterá as escolas de samba à garimpagem de outros meios. No caso de Porto Alegre, restará em aberto o tema do palco para o espetáculo. Importa é que a cidade tem, sim, um belo Carnaval. Faz muito tempo que isso é verdade.