Apesar do esforço do poder público em ampliar o tratamento de esgoto em Porto Alegre, há moradores que insistem em não ligar suas residências na rede e lançar toda água usada na descarga e para lavar louça, roupas e para o banho direto em arroios e córregos sem qualquer tratamento.
Conforme levantamento do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) feito a pedido da Rádio Gaúcha, 97 mil domicílios não estão ligados à rede de coleta de esgoto da cidade. Ou seja, mesmo os canos do Dmae passando em frente às casas dessas pessoas, elas preferem lançar todo o efluente direto no Guaíba.
São 440 mil residências conectadas. Se todos os moradores que não estão ligados à rede fizessem a ligação como deve ser feita, Porto Alegre poderia ampliar a capacidade de tratamento de esgoto da cidade dos atuais 66% para 86%, já que há capacidade instalada para isso.
O coordenador do Programa Integrado Socioambiental (Pisa), Valdir Flores, lembra que é obrigação dos moradores fazer a ligação das casas à rede coletora de esgoto. Mas em função da demora e da contrariedade de alguns, o Dmae decidiu implementar um programa chamado Conexões. O objetivo é ligar o máximo possível de residências no sistema de tratamento.
“Muitas áreas as pessoas dispunham de coletas, mas essas coletas eram levadas para as redes pluviais, eram jogadas em córregos, eram levadas para sumidouros”.
Valdir Flores (Foto: Eduardo Matos / Gaúcha)
Quem não está ligado à rede de coleta de esgoto, contribui para prejudicar o meio ambiente.
“Não estar ligado na rede de esgoto significa devolver ao Guaíba esgoto com fezes, urinas e outros resíduos que são levados para dentro do Guaíba e, consequentemente, eles acabam sendo elementos formadores de outros microrganismos, como algas”, diz Flores.
Residências desconectadas à rede
A Rádio Gaúcha esteve em um dos pontos de Porto Alegre onde o esgoto cloacal é lançado direto na rede pluvial. No bairro Campo Novo, no extremo sul da cidade, o Dmae faz a conexão das residências à rede de esgoto, já que os moradores não providenciaram a instalação.
Obras no bairro Capão Novo (Foto: Eduardo Matos / Gaúcha)
Na Estrada Gedeon Leite, residências ainda não estavam ligadas ao sistema de tratamento, mas obras estavam sendo feitas. Os moradores, que preferem não se identificar, não entendem os prejuízos ao meio ambiente e à saúde pública do lançamento do esgoto cloacal na rede pluvial, como essa senhora com quem conversamos, que mora há 12 anos na região.
“Para mim, é normal. O esgoto ia tudo junto aqui para frente. Ali tem uma boca de lobo. Aí ia tudo junto (pluvial e cloacal)”, diz uma senhora que mora há 12 anos na região.
Mas ela compreendeu quando alertada sobre o problema.
“Eu acho que se isso for uma coisa boa, como eles dizem, eu acho importante. Porque, segundo eles, isso tudo ia para o Guaíba, né. E agora vai para um tratamento”, afirma.
A vizinha está na mesma situação.
“Eu moro aqui há mais de 40 anos. O meu esgoto vai lá para aquela rede que vai direto para o Guaíba”, diz, considerando importante a ligação. “Eu acho que é uma maneira que eles querem de limpar o Guaíba. Eu acredito que sim. O Guaíba está muito poluído”.
Dona Lúcia (Foto: Eduardo Matos / Gaúcha)
Lúcia não estava muito por dentro da obra do Dmae para ligar sua residência à rede, apesar do cavalete isolando umas das caixas separadoras e da calçada com as pedras movidas para instalação dos canos.
“Creio que eles estão fazendo a ligação. Eu trabalho o dia inteiro, não sei. Não sei se o esgoto ia direto para o Guaíba. Acho que isso é importante. O tratamento de esgoto é importante. O pessoal comenta que as residências lançam o esgoto direto no Guaíba”.
(Foto: Eduardo Matos / Gaúcha)
Conexão recente
Se na região mais afastada de Porto Alegre que a Rádio Gaúcha visitou as residências estão em fase de ligação, nessa outra, no bairro Medianeira, um pouco mais próximo do Centro, o Dmae está concluindo o trabalho e evitando o lançamento de efluentes sem tratamento no Guaíba. Num dos condomínios da região, a síndica Márcia Lucas conta como era o sistema de esgoto antes da obra.
“Nós tínhamos cinco fossas, uma em cada bloco, onde saia todo o cloacal direto naquela fossa, onde ela já estava no limite quando abrimos ela. E tínhamos fossas que estavam transbordando sua caixa no fundo de cada bloco, onde tínhamos que tirar com baldes. Saia tudo misturado com o pluvial”.
(Foto: Eduardo Matos / Gaúcha)
No local, é possível perceber a melhora do sistema.
(Foto: Eduardo Matos / Gaúcha)
A síndica Márcia comemora a ligação do condomínio à rede.
“Não precisamos gastar para esvaziar as fossas, desentupir as caixas. E é menos contaminação para o Guaíba”, diz.
Os prejuízos ao meio ambiente
O diretor-técnico da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Rafael Volquind, lamenta que um investimento do porte do Pisa ainda não tenha todas as residências ligadas.
“Em geral, o que temos de grande problema em todos os sistemas, dá para falar generalizadamente, é essa falta de compromisso do usuário para ligar o esgoto, muito em razão de achar que não há problema algum”, afirma.
Rafael reforça os problemas gerados por essa falta de comprometimento de alguns moradores.
“Quando ele dá descarga no vazo sanitário, quando ele está utilizando pia de cozinha, a água vai pelo ralo e não dá retorno, não dá cheiro, não dá nenhum incômodo para ele. Só que na maior parte das vezes esse esgoto está irregularmente ligado nas redes de drenagem e aí ele vai de forma bruta, sem tratamento algum”, diz.
E lembrando que além dos danos ao meio ambiente, esgoto sem tratamento é uma questão de saúde pública.
“Não é incomum, caminhando pela cidade, nós sentirmos um cheiro de esgoto, oriundos das bocas de lobo, porque tem esgoto cloacal, misturado no esgoto pluvial afastando para algum lugar. Esse esgoto provoca a incidência de diversos vetores, como ratos, baratas, moscas, mosquitos pela água parada que vão disseminar algumas doenças para a população”, destaca Volquind.
O presidente do Comitê do Lago Guaíba, Manuel Salvaterra, alerta também para o desperdício do dinheiro público.
“Existem algumas cidades do Rio Grande do Sul que a Corsan tem estações que não conseguem operar, porque não têm carga. No caso do Dmae, isso causa demora no ‘atingimento’ de algumas metas que a gente tinha”, afirma.
O diretor-presidente da Corsan, Flávio Presser, recorda que quando foi diretor do Dmae houve um financiamento inédito para agilizar esse processo de ligação das residências no sistema.
“Tanto que no financiamento das redes coletoras do bairro Restinga, que é nitidamente pobre, nós já financiamos pela primeira vez nós fizemos isso no Brasil, nós fizemos as ligações interdomiciliares”, lembra.
Presser lamenta a grande resistência por parte de alguns moradores.
“As pessoas não entendem que isso seja um serviço prestado a ele. Acham que é uma obrigação da Prefeitura. Então as pessoas não querem pagar a tarifa”.
O professor Carlos André Bulhões, vice-diretor Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFGRS, defende medidas mais enérgicas por parte do poder público contra quem insiste em lançar esgoto direto no Guaíba.
“O apelo à educação ambiental, apelo ao bom senso, no momento em que entra em confronto com o bolso, as pessoas também têm outros apelos. Precisa ação efetiva no sentido de cumprimento dessa legislação, já que foi feito um esforço grande de investimento e as redes estão ociosas”, diz.
Consultora ambiental Deisy Maria Andrade Batista (Foto: Eduardo Matos / Gaúcha)
A consultora ambiental Deisy Maria Andrade Batista lembra que cada um precisa fazer a sua parte.
“Não adianta a gente investir em rede de esgotamento sanitário e a população não se ligar, né. Então esse é um dos maiores desafios. É a ligação das redes de esgoto, detectar as ligações clandestinas. Isso passa até por conhecimento, para que a população saiba para onde está indo o esgoto”.
Alexandre Bugin (Foto: Eduardo Matos / Gaúcha)
O presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental no RS, Alexandre Bugin, reforça:
“Para que realmente se obtenha essa efetividade, essa eficiência que se busca”.
O engenheiro Valdir Flores recorda do tempo em que o Guaíba tinha áreas de banho. O objetivo do Pisa é justamente tentar recuperar esse cenário que deixou de existir em razão da poluição.
“Se pretende ao longo da vida útil desse programa, que se estenderia ao longo de 2050, que a gente recupere principalmente as áreas balneáveis da cidade, como praia de Ipanema, Lami”, afirma.
Valdir destaca outros benefícios de um Guaíba balneável.
“Também se proporcione uma qualidade melhor para esportes, competições dentro do Guaíba, competições aquáticas. E principalmente que a gente garanta uma água de melhor qualidade para o tratamento, beneficiando dessa forma a população de Porto Alegre”.
Quanto menos poluída a água do Guaíba, mais fácil fica o tratamento para torná-la potável.
“É que esta água que está dentro do Lago Guaíba hoje, a medida que é impactada pelo esgoto, ela gera microrganismos, como coliformes, bactérias, fungos e outros que impedem que o tratamento se faça de uma forma mais simples”.
O engenheiro cita exemplos.
“Normalmente para o gosto e odor, quando há proliferação de algas, o DMAE tem que usar carvão ativado. Se usa também outros componentes. Aumenta-se a carga de cloro muitas vezes para melhorar a desinfecção da água. Quanto menos usarmos produtos químicos na água, nós teremos uma água muito mais saudável”.
Então lembre-se. Tudo o que é jogado fora pela descarga e pela pia precisa de tratamento antes de voltar para o Guaíba. O meio ambiente e a saúde da população agradecem.