*Por Marcelo S. Portugal
Ph.D. em Economia e professor titular na UFRGS
No fim do governo Lula, em dezembro de 2010, o país tinha um superávit primário de 2,62% do PIB. Já em julho de 2016, quando termina o governo Dilma, o setor público consolidado tinha um déficit de 2,54% do PIB. Ou seja, a deterioração fiscal ocorrida nesse período foi de 5,16 pontos percentuais do PIB (cerca de R$ 320 bilhões). Esse é o tamanho do problema a ser resolvido.
Nossos apuros fiscais têm duas naturezas distintas. Por um lado, há uma dimensão conjuntural de irresponsabilidade fiscal por parte dos governos federal e estaduais, no período 2011-2015. Seguindo uma visão de inspiração keynesiana/desenvolvimentista, o governo Dilma iniciou uma aventura econômica em que um dos elementos centrais era a expansão significativa e deliberada do déficit público.
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Mas, por outro lado, nosso problema fiscal tem também uma dimensão estrutural, pois a Constituição apresenta um "viés pró-gasto".
Os números mostram isso muito claramente.
Os gastos primários da União aumentaram de 14,3% do PIB, em 1997, para 19,7% do PIB em 2015. Se nada for feito para alterar a Constituição, este processo de expansão do gasto público tende a continuar indefinidamente.
A PEC 55, aprovada em segundo turno pelo Senado no último dia 13, tenta corrigir o problema fiscal estabelecendo um limite de velocidade para o crescimento do gasto público. Ela estabelece que, pelos próximos 10 anos, os gastos públicos tenham sua expansão anual limitada pela inflação. Pelos 10 anos seguintes, cada futuro presidente poderá alterar a regra do teto uma única vez em seu mandato. Assim, pelos primeiros 10 anos, o montante total de gastos primários da União em um ano deverá ser igual ao gasto realizado no ano anterior corrigido pela inflação. A lógica dessa PEC é simples. Como a receita tende a crescer acima da inflação, em função da expansão real da atividade econômica, se a expansão da despesa for limitada à inflação, as contas públicas tendem a convergir para o equilíbrio em alguns anos. Trata-se de uma tentativa de reduzir o déficit público de forma gradual, fazendo com que as despesas cresçam em um ritmo inferior ao crescimento das receitas. As estimativas são de que haverá equilíbrio fiscal em 2019 e que apenas em 2021 voltaremos ao superávit registrado em 2010.
Note que a PEC não "corta" o gasto público total, nem "congela" os gastos prioritários. Será sempre possível que um governo eleve os gastos, acima da inflação, em alguma rubrica importante, mas, para tanto, terá de fazer com que alguma outra despesa tenha uma expansão abaixo da inflação. Em termos simples, a PEC obriga que governo e Congresso façam escolhas e explicitem tais escolhas no orçamento. Ela acaba com a possibilidade de aumentar todos os gastos acima da inflação. A PEC valoriza a democracia, pois coloca a discussão orçamentária no centro do debate político brasileiro. Essa é a função precípua do parlamento: definir, através do orçamento, as prioridades da nação.
A PEC cria para o governo aquilo que sempre existiu para as famílias: uma restrição orçamentária.
O déficit recorrente tem gerado uma expansão significativa da dívida pública, que passou de 52% do PIB, em dezembro de 2010, para 70% do PIB no fim do governo Dilma. Se nada for feito, o país cairá, inevitavelmente, no chamado "abismo fiscal". Mas os países não vão à falência, como ocorre com as empresas. A experiência internacional mostra que há duas formas de superar o "abismo fiscal": há a opção grega, que consiste em um calote na dívida, ou a opção venezuelana, que significa a geração de uma inflação elevada e crescente ao longo do tempo. Ambas as opções têm um custo elevadíssimo em termos de crescimento econômico e distribuição de renda. As experiências da Grécia e da Venezuela mostram que cair no "abismo fiscal" gera uma crise ainda pior do que aquela que o país enfrenta atualmente.
Apesar do caráter gradualista do ajuste fiscal proposto pela PEC 55, a reação de certos grupos políticos a ela tem sido muito forte. A PEC 55 chegou a ser batizada por alguns de "PEC da morte". A maioria dos opositores da PEC 55 são os mesmos que, no ano 2000, demonizavam a Lei de Responsabilidade Fiscal. Os argumentos são os mesmos. Precisamos gastar mais para elevar a qualidade dos serviços públicos. Essa argumentação desafia a realidade, pois, nos últimos 20 anos, o volume de gastos públicos como proporção do PIB cresceu quase que continuamente, e a qualidade dos serviços públicos continua sofrível. A reação à PEC vem de grupos de interesse que têm fatias garantidas no orçamento. Agora todos terão de disputar os escassos recursos públicos justificando para a população o retorno em termos dos serviços que são gerados para cada real gasto.