Vanderlei Cappellari sempre soube que seu tempo à frente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) terminaria no último dia deste ano, quando o homem que o alçou ao cargo, José Fortunati (PDT), também deixará a prefeitura de Porto Alegre. Mas nunca pensou que a sua destituição se transformasse em plataforma eleitoral.
Estava em sua sala, mantida sempre de portas abertas, na manhã de 6 de outubro, quando recebeu o primeiro aviso, vindo de um assessor. De seu computador, ao lado de uma tela onde inspeciona as imagens transmitidas pelas mais de cem câmeras que monitoram o trânsito, ouviu o áudio do primeiro debate do segundo turno. Na gravação, recebida por e-mail, Nelson Marchezan Júnior (PSDB) prometia tirá- lo do comando da EPTC caso eleito. Quatro dias depois, em novo debate, foi a vez de Sebastião Melo (PMDB) garantir que o afastaria do cargo que ocupa há seis anos e meio. Não que a troca de comando em um setor nevrálgico como o trânsito fosse novidade. Entretanto, ao ouvir o seu nome repetidas vezes, chateou-se.
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– Enquanto criticavam a EPTC, era normal. Ela tem essa característica de provocar amor e ódio. O que me surpreendeu foi quando "pessoalizou". Aí, sim, tomei um choque. Pensei "poxa, o que está acontecendo?" Alguma coisa está errada. Candidatos a prefeito me usando como cabo eleitoral e dizendo que a minha demissão é importante, mesmo sendo natural... Realmente, passei uns dias bem chateado – refletiu.
Da atuação para criar a empresa à fama de petista
O compromisso dos candidatos exprime uma característica do órgão e de seu mais longevo diretor-presidente. Afinal, EPTC e Cappellari praticamente tornaram-se sinônimos. Aos 57 anos, ele virou uma espécie de patrimônio da empresa. Servidor de carreira, ingressou há mais de três décadas na Secretaria de Transporte, onde foi agente de fiscalização de ônibus, táxi e lotação – espécie de "azulzinho" das antigas.
Em 1997, o rapaz natural de Putinga, município de 4,1 mil habitantes do Vale do Taquari, atuou no grupo de trabalho criado pelo então prefeito Raul Pont (PT) para instituir uma empresa pública que fiscalizaria o trânsito na Capital – tarefa exercida, até então, pela Brigada Militar (BM). Nascia a EPTC.
O primeiro posto no núcleo do órgão veio dois anos depois: gerente de fiscalização, a convite de um antigo colega, o petista Luiz Carlos Bertotto, alçado a diretor-presidente no fim do governo Pont.
– Ele não foge de nenhuma ação que tem de fazer, e faz essas ações sempre em cima da legalidade. Então, muitas vezes ele vai buscar uma solução da legalidade, de fazer as coisas funcionarem, e as pessoas muitas vezes não gostam disso. Ninguém gosta de ser multado ou ter o seu carro apreendido – afirma Bertotto.
O breve momento de Cappellari longe da EPTC restringiu-se ao mandato de José Fogaça (PMDB), que trocou a diretoria da empresa. O gerente de fiscalização acabou cedido à Secretaria de Esportes. O motivo, segundo quem participou da transição, foi que ele tinha a imagem muito ligada à gestão petista.
Após a passagem pela área esportiva, Cappellari voltou a trabalhar com Bertotto na Secretaria dos Transportes de Canoas, no primeiro mandato de Jairo Jorge (PT). Da sequência de atuações em governos petistas, vem a fama da ligação partidária ainda lhe conferida.
– Não tenho filiação. E não é porque ache que os partidos não são merecedores, mas nunca quis – explica.
Homem de confiança do prefeito Fortunati
Vice de Raul Pont (PT) na prefeitura da Capital, José Fortunati (PDT) convidou Cappellari para comandar a diretoria de trânsito da EPTC em 2010, quando assumiu o Paço Municipal depois de José Fogaça (PMDB) licenciar-se para concorrer ao governo estadual. A indicação denota a confiança do pedetista em seu subordinado, que o convocou antes mesmo de definir o nome de quem seria o novo diretor-presidente.
– Perguntei: "Prefeito, e se o presidente não gostar de mim?". Ele disse: "Não te preocupa, vamos acertar isso". Foi algo que nunca esqueci – recorda.
Desde então, a relação estreitou-se.
– Se olhar meu WhatsApp, são, diariamente, várias mensagens trocadas. É uma relação de toma lá dá cá, que mantenho com meus principais secretários e criei com ele. Sempre funcionou muito bem – diz o prefeito.
Na última quinta-feira, por exemplo, Fortunati passou por uma estação do BikePoa e lembrou-se de questionar o comandante da EPTC: "Já tivemos resposta do Itaú?", perguntou, em referência à ampliação do sistema de aluguel de bicicletas financiado pelo banco. "Ainda não, vou cobrar", reagiu Cappellari. Horas depois, o celular do prefeito apita: "Falei com a Simone (interlocutora do Itaú), ela deu positivo", respondeu o subordinado pelo aplicativo.
Cappellari assumiu interinamente a chefia da EPTC em junho de 2010, depois de uma administração-relâmpago de Romano Botin – segundo o próprio engenheiro, deixou o cargo porque incomodou-se com a interferência política que sofrera no trabalho. Noventa dias depois, pelas mãos de Fortunati, Cappellari tornava-se diretor-presidente do órgão que ajudou a criar.
Dedicação ao trabalho, entre críticas e polêmicas
O homem que coordena o trânsito na Capital chega à empresa às 7h e raramente sai antes das 19h. O apreço ao trabalho revela-se também no terno e gravata vestidos diariamente. Na gola esquerda do casaco, sempre leva o símbolo azul- amarelo da EPTC.
Cappellari considera a prevenção de acidentes prioridade. Não por acaso. Em uma noite de abril de 1993, perdeu o irmão Ari, 27 anos, atropelado ao cair de moto na BR-116. O fato mudou sua visão sobre trânsito:
– Acidentes são muito traumáticos para as famílias. Por isso, trabalhamos muito a prevenção, pois são evitáveis.
Uma série de medidas tomadas na sua gestão, porém, gera enxurrada de críticas, como a implantação de ciclovias, a disposição de radares móveis, as deficiências em táxis e o cerco ao Uber – na segunda-feira, inclusive, ele participou na Câmara da votação da regulamentação dos aplicativos de transporte.
– Essa ideia de ele ser especialista em tudo e responder a tudo não causa boa impressão. Mostra que ele comanda com mão de ferro, mas porque tem o aval total do prefeito – observa o vereador Marcelo Sgarbossa (PT), cicloativista e crítico ferrenho da EPTC.
Mas até os adversários são unânimes em defini-lo como um homem extremamente dedicado ao trabalho.
– Ele responde às questões de fiscalização de maneira eficiente. Só que a EPTC tem também uma dimensão de planejamento. Talvez, nisso, ele não dê o mesmo nível de resposta – critica um engenheiro, que prefere o anonimato.
As ações de fiscalização ainda o fizeram se desgastar com diferentes setores e acumular denúncias de supostas ilegalidades. Entre as quais, a de que seria dono de uma frota de 50 táxis. Ele nega e acredita que a confusão venha do fato de ter um irmão taxista há 19 anos.
– Às vezes prefiro nem dizer que sou irmão dele. Tem pessoas que chegam bravas com a EPTC, xingando. Daí, até xingo também, mas para disfarçar – revela Paulo, o Cappellari taxista.
Com a certeza de que deixará o comando da EPTC em janeiro, Cappellari diz que pretende começar a primeira faculdade e que já recebeu acenos para atuar em prefeituras do Estado:
– Tenho convite para ir trabalhar até em governo do PSDB.