Parece que a política, no Brasil, é o único campo em que colocam um não especialista para lidar com assuntos de alta complexidade. Seria como me pedirem para erguer uma parede ou esperar que meu eletricista de repente sente para escrever um romance histórico. No mundo real, ninguém me contrataria para realizar a auditoria de uma empresa, interpretar um raio-X de coluna ou montar uma bicicleta. No mundo invertido da política, eu poderia até ser secretária de Segurança. Sobretudo se fosse homem e tivesse mais de 50 anos.
Talvez não seja apenas culpa da classe política, dos favores e da lógica de ter que se colocar aliados em posições que cairiam melhor na mão de quem entende do riscado; a própria sociedade, no seu desespero por soluções, às vezes age como um taxista com ideias radicais ultrapassando pela direita a 80 km/h. Assim, abre-se a caixa das opiniões fáceis: sim à pena de morte, sim à diminuição da maioridade penal, armas para o "cidadão de bem", aplausos para a Brigada quando ela bate em manifestantes.
Olhemos para esse último exemplo. Tenho a impressão de que, na cabeça de alguns, uma polícia militar agredindo manifestantes em um ato "Fora Temer" relaciona-se com um crime chocante como o assassinato de Cristine Fonseca em frente a uma escola da Capital. É como se, ávida por uma polícia que tome as rédeas da (in)segurança pública, a sociedade comemorasse qualquer situação em que as autoridades mostram sua força. Está errado. Eu gostaria que o poder público mostrasse sua força coibindo latrocínios, invasões de domicílios, cabeças decepadas, não que gastasse o nosso dinheiro em um helicóptero que joga um facho de luz sobre adolescentes que acham que vão salvar o mundo chutando contêineres de lixo. Eu gostaria que as pessoas que mataram Cristine não vivessem uma existência tão precária a ponto de acharem que a vida de Cristine não vale nada, que nada vale nada. Eu gostaria que o Presídio Central não fosse um inferno, mas que ninguém vivesse um inferno fora dele a ponto de achar que correr o risco de ir para o Presídio Central faz parte do jogo. Eu gostaria que o sistema todo funcionasse, e que todos cumprissem suas penas.
Segurança pública é um tema delicado. Creio que muita gente identificada com a esquerda prefere isentar-se de comentários porque enxerga esse como um dos campos favoritos dos conservadores. Além disso, quando nós, os privilegiados-porém-conscientes, começamos a nos preocupar mais seriamente com a violência porque ela bateu em nossa porta (ou porque um corpo foi desovado a cem metros de nossas casas. Fato real), é claro que uma culpa avassaladora atravessa nossas mentes. "É pior no Rubem Berta", pensamos. "Vou sair de camiseta branca em uma marcha pelo Parcão, mas isso é hipocrisia ou egoísmo, porque muita gente tem a vida muito mais atravessada pela violência do que eu". Verdade. Deixe aí, a culpa, mas não se exclua do debate. Não permita que aquele tio que você encontra nos churrascos, aquele que acha que ter um 38 vai resolver tudo, seja a única voz a ser ouvida.
*Carol Bensimon escreve mensalmente no Caderno DOC.