A circulação de carroças se tornará proibida em Porto Alegre no próximo mês. Publicada em 10 de setembro de 2008, a lei municipal 10.531 estabelecia o prazo de oito anos para os veículos de tração animal (VTA) e de tração humana (VTH) serem eliminados do trânsito da Capital. Serão permitidos apenas na área rural e na Região das Ilhas.
A restrição já existia em mais de 20 bairros da cidade. De acordo com informações da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), pelo menos duas blitze por mês estavam sendo realizadas nestas regiões focando na infração, o que resultou na apreensão de 33 carroças em 2016. Marcelo Soletti de Oliveira, diretor de Operações, afirma que, dentro da proposta de redução gradativa, essas ações ocorrem desde 2012.
– A última área é na Zona Norte, e então a gente fecha toda Porto Alegre, exceto Região das Ilhas e Extremo Sul – afirma.
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O programa Todos Somos Porto Alegre, política pública elaborada pela prefeitura para emancipar carroceiros e carrinheiros por meio de novas oportunidades de trabalho, indenizou até agora 276 carroceiros de 382 cadastrados. Eles trocaram os animais e equipamentos pelo valor de até R$ 1,5 mil. Dos 524 condutores de VTH, apenas 14 foram indenizados até então. Denise Sousa Costa, coordenadora do projeto, afirma que o número de carroças e carrinhos retirados das ruas pode ser maior, considerando que alguns trabalhadores realizaram a venda direta dos veículos e que houve cavalos recolhidos por maus-tratos.
Ela destaca que mais de 600 pessoas, incluindo familiares de carroceiros e carrinheiros, já concluíram cursos profissionalizantes de limpeza, recepção, atendimento, manicure, camareira, informática, gastronomia ou construção civil – alguns, com alfabetização. Quem quer continuar no ramo, de acordo com Denise, é encaminhado a unidades de triagem que recebem resíduos do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU).
O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) não dispõe de levantamento de carroceiros e carrinheiros na Capital, mas o representante da entidade no Rio Grande do Sul, Alex Cardoso, contesta os números de pessoas que trabalham na atividade divulgados pela prefeitura e ressalta que há muito mais. Na época da publicação do projeto de autoria do então vereador Sebastião Melo, em 2008, ZH informou que havia 4,5 mil cadastrados pela EPTC e pelo menos mais 8 mil sem registro.
Nesta terça-feira, o ZH Pelas Ruas flagrou quatro carroceiros transitando pela cidade: dois no bairro Azenha, um no Anchieta e outro no Jardim do Salso. Entre eles, estava Hélio da Silva, carroceiro desde os 10 anos, função que aprendeu com o pai. Ele ainda não entregou seu veículo e cavalo com medo de não conseguir outro emprego.
– Vou trabalhar em que? Só em obra, né? Mas eu vou fazer 59 anos, e não tenho estudos também. A carroça é meu ganha-pão – diz Hélio, que usa o VTA para fazer frete.
A EPTC informa que o material de que são feitas as carroças apreendidas é reaproveitado, e, o cavalo, encaminhado para adoção. O programa Todos Somos Porto Alegre continuará em atividade até dezembro.
"O processo em si é excludente", diz defensora pública
A 10ª Defensoria Pública especializada em Tutelas Coletivas, Cíveis e do Consumidor realizará no dia 24, às 15h, no auditório do Procon, uma audiência pública sobre a proibição da utilização de veículos de tração humana e animal em Porto Alegre, abordando as consequências para as pessoas e grupos que trabalham com coleta e reciclagem de resíduos sólidos.
A defensora pública Patrícia Ketterman afirma que há pessoas bem intencionadas no Todos Somos Porto Alegre, mas que o processo não é inclusivo como foi divulgado.
– Essas pessoas (os carroceiros e carrinheiros) já eram excluídas do sistema, e agora estão sofrendo uma exclusão secundária por parte do Poder Público Municipal. Tem gente que passou a sofrer privações alimentares com suas famílias por causa do recolhimento do veículo – diz Patrícia.
A defensora destaca que muitos dos trabalhadores querem continuar sendo catadores, que "é uma profissão reconhecida, digna e lícita", e afirma que há grande dificuldade de ingressar em outro ramo – com base na demanda que recebe na defensoria, diz que "a imensa maioria" dos que abandonaram a carroça não está colocada no mercado de trabalho formal.
– Quem acabou procurando (o programa) são as pessoas que se sentiram obrigadas, com medo da fiscalização. As coisas estão muito verticalizadas. O município diz: "Isso é bom para vocês". E ponto. Não houve uma discussão com as pessoas interessadas, que são os trabalhadores dessa área – completa a defensora, destacando que a audiência servirá para ouvir os atores envolvidos e buscar uma solução de consenso.
Cardoso, representante do MNCR, também critica a lei, defendendo que os trabalhadores sejam contratados para serviço de coleta seletiva na cidade.
Coordenadora do Todos Somos Porto Alegre, Denise Costa ressalta que há, em geral, aceitação dos catadores: ela considera exceção os carroceiros que optaram por não se engajar.
– Eles estão vendo que é uma grande oportunidade. É um programa transformador. A gente tem de pensar em todas as pessoas, filhos, esposas, que estão tendo acesso a coisas que nunca tiveram.
De acordo com o Programa Todos Somos Porto Alegre, até junho, "633 beneficiários haviam iniciado nova atividade com renda ou obtido algum benefício com renda, diferente de sua condição anterior".